O templo do tempura

Mulher comendo tempura. Gravura ukiyo-e de Tsukioka Yoshitoshi (1839-1892), acervo do Centro Cultural do Alimento da Ajinomoto (Ajinomoto Foundation for Dietary Culture), em Tokyo. 風俗三十二相 むまさう 嘉永年間女郎之風俗》月岡芳年(味の素食の文化センター蔵)

É quase certo que na maioria dos 600 restaurantes japoneses da cidade de São Paulo você vai encontrar o prato. Mas nenhum deles é 100%  especializado no tempurá, esta iguaria que, presumidamente, foi introduzida por missionários portugueses, no século 16 em Nagasaki, cidade portuária onde os jesuítas atuaram com mais intensidade pregando a catequese. A origem mais aceita sobre a origem da palavra tempura vem dos jesuítas que se abstinham de comer carne vermelha durante a Quaresma, costume chamado em latim “ad tempora quadragesimae“, e nesta época eles se alimentavam de vegetais e frutos do mar. Outras hipóteses da origem etimológica incluem a palavra tempero e o verbo temperar, que os jesuítas, presumivelmente, usavam para explicar a fritura aos japoneses. A fritura era uma grande novidade para os japoneses.

 

O Tempura Ten figura como a única casa totalmente especializada na fritura.

Fundada por Masaomi Imai, ex-joalheiro que gostava de reunir seus amigos para uma noitada de frituras em sua casa, o Tempura Ten nasceu da insistência destes amigos que imploravam para que Imai pudesse oferecer esta iguaria com constância e fora do ambiente familiar. Assim, Imai resolveu transformar a sua joalheria, que funcionava há 40 anos no mesmo local, em uma casa de tempura. Permaneceu, no entanto, o ambiente familiar com que sempre acolheu os amigos, e que passou a ser estendido aos novos frequentadores.

Para se chegar ao Tempura Ten é preciso adentrar por uma galeria comercial que fica fechada à noite. O ambiente deserto provoca uma ligeira tensão durante o trajeto. Uma espécie de purgatório para se chegar ao Céu. Aliás, Ten significa mesmo céu em japonês, um nome mais do que apropriado para este templo de frituras delicadas e refinadas.

Don Tiyoko Imai exibe o pratão, com os ingredientes que serão fritos esta noite.

A degustação de tempura só funciona à noite, mediante reserva antecipada e consiste de uma sequência de onze frituras, servidas uma a uma. O ritual se inicia com um otôshi, uma entradinha que varia a cada dia, e que pode ser uma refrescante saladinha ou uma berinjela grelhada com flocos de peixe bonito seco. Segue-se a sequência, que se mantém em linhas gerais, substituída por um ou outro item, de acordo com a sazonalidade dos ingredientes. Camarão, aspargo, flor de abobrinha, goya (ou nigauri), manjubinha, polvo, cogumelo shimeji ou enoki, peixe branco enrolado no shissô, creme de palmito envolto com folha de shissô (orgulho da casa), gengibre fresco e mioga (o botão da flor do gengibre-mioga), pimenta shishito, culminando gloriosamente com mais um camarão fechando o ciclo. Todas elas são envoltas em uma finíssima camada de massa crocante, fritas numa mistura de óleo de girassol e gergelim a uma temperatura constante de 180°C.

Reparem nas lindas louças de porcelana, onde serão servidas as friturinhas. Uma porção de shoyu bom, importado, de fermentação real. O verdadeiro shoyu é assim: transparente. E para quem não quiser molhar o tempura para preservar a crocância, a opção é o sal.

O caldo do tempurá (ten-tsuyu) é servido. Reparem na transparência, isso comprova o uso de shoyu de boa procedência. Nabo ralado com um toque de gengibre, que deverão ser adicionados ao caldo, na quantidade de sua preferência. Saladinha com um molho suave. E uma berinjela mágica e defumada, temperada com katsuobushi, flocos de peixe bonito seco.

A sequência começa e termina com um camarão. Um luxo.

 

Reparem nesta crocância da massa, super fininha. Parece até que levou um susto e ficou congelado.

 

Aspargo tenro e macio.
Nigauri, o melão de São Jorge, tem um amargor muito característico. Pode não agradar da primeira vez, mas é um dos legumes mais apreciados na culinária okinawana.

 

Flor de abóbora cabothca. Sim, é comestível. E é linda.
Especialidade e orgulho da casa. Um creme de palmito pupunha envolto com uma folha de shissô. Surpreendente.

 

Polvo, muito macio.Nossa, essa pedia um limãozinho. 

Para quebrar um pouco o ritmo, dê uma espiada na frigideira onde estão boiando as friturinhas.O óleo está transparente e dá pra enxergar o fundo do tacho. Sinal de que o óleo é novo e limpo.

 

Cogumelo shimeji branco. O cogumelo pode variar,
Para finalizar, um kakiague, tempura misto de cenoura, cebola e folhas de cenoura. Grand-finale. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O grand-finale é reservado para dois kakiague, tempura de cenoura em tiras, cebola e folha de cenoura, acompanhado de uma tigela de arroz, missoshiru e conservas tsukemono. É uma combinação trivial, mas perfeita.

Após o falecimento de Masaomi, em 2016, quem comanda o tacho é dona Tiyoko, que mantém a mesma receita, juntamente com seu filho, Makoto, responsável também pelas milanesas, estas servidas exclusivamente no almoço. Também no almoço das terças e quintas a casa serve o Tendon, uma tigela de arroz coberta com tempuras de camarão, abóbora, goya e folha de shissô, coberto por um tarê agridoce. Já vale como uma mini degustação do tempurá da casa. Também só no almoço, milanesa de porco sobre arroz (katsudon), e o curry muito bem feito, que pode ser acompanhado pela milanesa. 

Tempura Ten

Onde: Avenida Brigadeiro Luís Antônio, 2050 – Loja 23 – Bela Vista – São Paulo – SP Veja mapinha AQUI
Estação de metrô Brigadeiro da linha verde. Telefone para reserva: (11) 99622 3582

Alguns lembretes:

  • Sempre reserve e chegue no horário.
  • A degustação de tempurá tem preço fixo por pessoa, fora as bebidas. Sashimi, quando houver, cobrado à parte.
  • A casa não trabalha com cartões de crédito. Somente dinheiro, cheque ou cartão de débito.

Texto originalmente produzido para a revista HASHITAG.  Fotos de Rafael Salvador e Jo Takahashi 

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