Soba: o macarrão da passagem do ano

A tradição japonesa manda comer uma tigela de soba na passagem do ano. É um ritual, conhecido como Toshikoshi Soba (年越し蕎麦), literalmente, soba da passagem do ano.

Há diversos significados nesta tradição. O soba é um macarrão longo, feito com trigo sarraceno. Comê-lo no final do ano remete a uma vida longa. Embutido também no significado desta tradição, os desejos para uma longa felicidade. Outra versão é que os artesãos que mexiam com ouro e prata usavam massa de soba para pinçar os restos do metal no chão. A massa de soba derrete na água e facilita assim, reaproveitar os restos do metal para novos trabalhos. O soba comido no final de ano teria esta finalidade: a de juntar os restos reaproveitáveis do ano, para entrar no ano novo já capitalizado.

O soba é um macarrão feito de trigo sarraceno, e é diferente do soba utilizado para fazer ramen, ou mesmo yakissoba.
A maneira mais tradicional de comer soba é com um bom caldo dashi, feito à base de alga kombu e flocos de peixe bonito seco . Para dar mais profundidade ao caldo, e consequentemente potencializar o umami, o quinto gosto do paladar humano, pode-se incluir no caldo o cogumelo shiitake seco.

Para incrementar, o soba quente pode receber complementos para o seu topping, que pode ser um tempurá de camarão ou de legumes, ou ainda somente flocos de tempurá. Fazem bonito também o chikuwa e o kamaboko (massa de peixe), que são encontrados com facilidade em lojas de produtos alimentícios japoneses. 
Um detalhe interessante é que o soba pode ser servido quente mas também frio. Neste caso é indicado especialmente para os dias quentes de verão. O soba frio, chamado de hiyashi soba, é servido sobre uma esteira ou peneira de bambu (zaru), e nessa apresentação, ele é conhecido como zaru soba. O caldo, mais forte, vem à parte, em um potinho, onde o macarrão é mergulhado em pequenas porções para se comer. Pode vir acompanhado de um ovo de codorna cru, cebolinha e nabo ralado. 

Um dos grandes artesãos de soba é Koichi Mori. Ele já esteve em São Paulo, a convite do Consulado Geral do Japão, em 2013. Mori é um dos maiores experts em soba do Japão, e sua chegada ao Brasil aconteceu um ano e um dia depois de o seu restaurante, o Kuimon-ya, em Sendai (304 km a norte de Tokyo), ser totalmente destruído pelo terremoto que assolou a cidade, em 2011. Depois da tragédia foram necessários dois meses para reconstruir o Kuimon-ya  para reabrir, em maio de 2011 e voltar a servir seus famosos sobas, a especialidade da casa.

Koichi Mori sovando a massa de soba. Fotos e video de Koichi Mori: Rafael Salvador

Aqui, a receita de Koichi Mori para preparar o soba
Peneire as farinhas de trigo-sarraceno (400g) e de trigo (100g) em uma tigela, de preferência de madeira. Adicione aproximadamente 500 ml de água e misture bem as farinhas até obter uma massa. Trabalhe a massa até deixá-la lisa e homogênea, usando todo o peso do corpo nesse processo – um iniciante pode demorar 1 hora para chegar ao ponto certo.
Espalhe farinha de trigo-sarraceno em uma tábua e acomode a massa. Com uma faca retangular, corte-a em fios de 1 mm de espessura. Depois, com cuidado, balance os fios para tirar o excesso de farinha.

Nesta receita, Koichi Mori usou farinha de trigo e essência de pétalas de sakura (flor de cerejeira), para dar uma tonalidade rosa ao resultado final.

 

O processo de esticar a massa é uma operação que exige muito cuidado e atenção, para dar maleabilidade ao macarrão. É aqui que a sua espessura será definida.
Corte artesanal da massa, com faca apropriada.
Retirando o excesso de farinha.

 

Como a massa é fresca e fina, cozinha fácil em cerca de 50 segundos. Tire do fogo e deixe esfriar sobre uma peneira. Em seguida coloque em uma panela com gelo por 5 minutos. Escorra. Sirva numa cumbuca com 1/3 de caldo base tsuyu e cebolinha. Veja o processo de fazer soba neste lindo video produzido por Rafael Salvador. 

Mas afinal, pode um macarrão frio com caldo dashi e nada mais, um ovinho ou cará ralado ser assim a estrela do cardápio? Para Mori, pode. Ele elevou o sabor do soba à categoria de prato principal. E, se por um lado respeita a tradição, por outro se reserva ao direito de mudar tudo.

Para a aula, Mori trouxe três rolos de macarrão e uma faca – mas nada de farinha de trigo e trigo-sarraceno do Japão. Se iria ensinar brasileiros, lhe pareceu lógico usar produtos daqui. “A farinha local é mais seca, por isso vou usar água morna em vez de fria. E em maior quantidade do que uso em meu país.”

Em menos de duas horas, Mori misturou a massa, sovou-a, cortou os fios finíssimos – 1 mm de espessura – e alimentou toda a plateia. Fechou a aula lendo, olhos marejados, uma carta de próprio punho em que descrevia em detalhes o dia em que o terremoto destruiu seu restaurante.

O soba, segundo Mori, é um prato muito popular, que você come na estação de trem, num tempo curtíssimo. Todos os japoneses comem soba desde pequenos – mas nem sempre a massa é artesanal. No inverno, prefere-se soba com caldo quente, acompanhado de tempurá ou um moti (bolinho de arroz) assado. Pode-se optar por um soba com curry, por exemplo. No verão, soba frio, no caldo gelado de kabusu (um cítrico que dá no Japão). Na primavera, soba com vários tipos de verduras das montanhas, como o yomogi. Você soca a folha do yomogi e integra à massa, como é feito com o chá verde.

Os dois tipos de soba produzidos por Koichi Mori no dia do workshop: o da direita é o tradicional, só com trigo sarraceno, e o da esquerda, com adição de pétalas de flor de cerejeira.

Quanto ao grão de trigo-sarraceno, matéria prima para o soba, existem qualidades distintas. É o mesmo que acontece com o café ou o arroz. Há trigos mais doces, mais amargos, mais aromáticos. Por isso, existem alguns sobas que só se come puro, para sentir a excelência do trigo sarraceno.

A chef Telma Shiraishi, Embaixadora da Boa Vontade para a Culinária Japonesa no Brasi apresenta uma série de videos sobre gastronomia para a Japan House. Em um de seus últimos videos, convidou o chef Takaaki Yasumoto, do restaurante Yakitori, em São Paulo, para falar sobre o Toshikoshi Soba, o noodle da passagem de ano. 

Obra prima da chef Telma Shiraishi: Macarrão de trigo sarraceno e chá verde (tcha-soba), com ovas de salmão sobre ovo perfeito, quiabo, cogumelo nameko, myoga em um caldo profundo de dashi, além de uma pitada de gergelim, para dar uma crocância no conjunto. Foto: Rafael Salvador

 

 

 

0Shares