Já fazem mais de dois anos que o chef Shin Koike abriu o seu novo restaurante, o Sakagura A1, no Itaim Bibi, em São Paulo, e apesar de continuar sócio no anterior Aizomê, é fato que ele tem empenhado mais tempo em sua casa nova. Com isso, a outra sócia do Aizomê, Telma Shimizu Shiraishi passou a comandar a cozinha. No início, até por insegurança talvez, ela não queria se revelar como a autora do cardápio desta nova fase, mas é fato que os frequentadores vinham percebendo as sutis alterações que esta chef que não gosta muito de holofotes, vem introduzindo.
Telma, no entanto, nos revela que o conceito da casa está mantido, no que ela credita como um eixo de pensamento de Shin Koike. A elaboração dos pratos, com inventividade, mas respeito às tradições, é um grande diferencial perante as outras casas que se lançam mais ousadas. Um outro aspecto é a utilização de inusitados ingredientes brasileiros na cozinha japonesa, o que torna a experiência gastronômica por lá, mais instigante.
A devoção de Telma pela postura criativa de Shin Koike vem de longa data. “Desde o tempo do Mosaic e do antigo A1, que ficava no subsolo do edifício Top Center, na avenida Paulista”, lembra Telma. Para ser mais exato, por volta de 2005 no Mosaic, e 2007 no antigo A1. Portanto, algo como oito anos de observação e parceria criativa. O fato é que o chef Shin Koike, enquanto comandava exclusivamente o Aizomê, foi presença soberana na cozinha e na autoria do cardápio, mas agora, com seu distanciamento físico (não afetivo, pois o Aizomê é e sempre será uma criação sua também), Telma teve que vestir seu dólmã (não a víamos assim há um ano) .
Além do mais, Telma deu vazão a sua característica persistência nas pesquisas, especialmente de insumos e ingredientes novos e inusitados. Consequência provavelmente de seu pendor pelas investigações científicas, que a levou a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, um dos cursos mais disputados do Brasil. Só que na vida prática, as receitas de medicamentos ela substituiu por receitas gastronômicas. Na sua cozinha, que agora é quase um laboratório, são pensados e experimentados, insumos como batata ariá (parecida com a castanha d’água), hanaume (vinagreira), que recebem releituras e novas receitas.
Para experimentar as criações da nova chef Telma, o melhor é optar por um menu degustação (R$ 180,00) composto de oito tempos. É a pedida habitual, especialmente dos frequentadores da noite. São dois otoshi (entradinha), uma seleção de sashimi do dia, uma fritura (aguemono), um grelhado e o prato principal, para finalizar com um moriawase de sushi ou um noodle (udon ou soba) em diferentes versões e a sobremesa, que merece um destaque à parte. Esta sequência dá uma boa panorâmica nas propostas que a chef Telma oferece e a melhor maneira de avaliar a sua envergadura. Sutilezas podem ser absorvidas em cada etapa. Em nossa visita, impressionou o kinugoshi-dofu, um tofu feito lá mesmo, com leite de soja e nigari, extraído da água do mar, e que contém cloreto de magnésio. Um tofu em forma de flan, extremamente delicado. Sobre este tofu, Telma crava um acento com uma porção de uni fresquíssimo, que recebe uma pitada de ótima flor de sal de Guérande.
Outro prato que merece suspiros é o chasoba, aqui finamente arranjado em uma taça de cristal, sugerindo frescor para os dias quentes que estão por vir. O chasoba é um soba feito de chá verde, com um leve amargor típico da folha, e que transmite muita suavidade. Na composição da taça ainda entram um onsen tamago, um ovo perfeito que recebe um topping de ovas de salmão marinado no saquê e shoyu, cogumelos nameko e quiabo okura, que dá um acento crocante e realça o frescor. Sobre o soba, uma pitada de gergelim branco, que dá um aroma especial. Caldo dashi essencial, potencializado com o cogumelo nameko.
O moriawase de sashimi é a outra etapa da sequência. Fatias de atum, chutoro (atum com dosagem média de gordura), e peixe serra (katsuo), este com pasta de gergelim (gomadare) numa ponta e na outra, um leve toque de rayu, um condimento apimentado à base de óleo de gergelim foi uma surpresa.
Em seguida, surgiu o clássico dos clássicos do Aizomê: o siri mole, aqui em versão karaague, guarnecido com nabo ralado e o agridoce molho ponzu, para cortar a fritura.
A próxima etapa poderia ser escolhida entre magret de pato e frutos do mar grelhados. Optamos pelos frutos do mar: camarão e mariscos, escoltados por mini milho, tomate cereja, aspargo, todos grelhados, e acabamento com manteiga e shissô, que os tornam mais aromáticos.
E para finalizar, a casa oferece várias opções. Pode ser um moriawase de sushi, ou uma tigela de udon ou soba, em diferentes versões, entre os quais o mais pedido é com kakiague de legumes.
Uma boa surpresa são as sobremesas sempre inventivas, herança que Shin Koike deixou, mas que Telma faz questão de inovar. Ainda em fase experimental, uma degustação de sorvetes em diferentes e inusitados sabores pode ser uma boa pedida. São quatro sabores: missô, em base de sorvete de baunilha é o destaque. “O umami acentuado do missô penetra no creme de baunilha”, explica Telma. Permanece na língua um sabor que remete ao achocolatado, fruto dessa mistura. Os outros sabores são gengibre, leve e adstringente e que leva ainda uma fatia de compota de kinkan, matcha (chá verde), com um residual amargor e anko (doce de feijão azuki).
Há outras criações da chef Telma que merecem destaque. Elas podem ser pedidas a la carte, como estas criações abaixo.
A nossa impressão após esta visita é que o Aizomê se rejuvenesce, com novos ares, mais solto, mas preservando o conceito fundamental de sua cozinha, que é de uma culinária criativa sem afetação, sensível no paladar, buscando o equilíbrio dos ingredientes japoneses com inserção de elementos brasileiros. O chef Shin Koike deve estar gostando muito da autonomia de sua cria, flanando na suave brisa da primavera.
AIZOMÊ – Alameda Fernão Cardim, 39 – Jardim Paulista- São Paulo – Telefone: (11) 3251 5157 www.aizome.com.br