Casamento de loiras com japonesas

Jojoscope foi convidado pela Revista #Hashitag para tirar uma dúvida: é possível uma harmonização de cervejas com culinária japonesa? A equipe da revista não foi nada tímida. Escolheu uma das mais importantes sommelier de cerveja no Brasil, Cilene Saorin, e o melhor restaurante japonês em São Paulo, o Kinoshita, para este inusitado encontro de loiras com japas.

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Há uma opinião generalizada de que culinária japonesa não combina com cerveja. Mas o fato é que a culinária japonesa é muito rica e variada, em temperos e modos de preparo. E por outro lado, as cervejas estão sendo apresentadas com tantos matizes, especialmente as cervejas gourmets, que sim, pela amplitude das combinações possíveis, a harmonização é bastante viável e surpreendente.

A Revista #Hashitag resolveu então, comprovar esta premissa. Mas para não arriscar às cegas, foi convocada a sommelier de cerveja, Cilene Saorin, mestre cervejeira graduada pela Universidad Politécnica de Madrid- Escuela Superior de Cerveza y Malta. Com mais de 20 anos de atuação profissional na área, é consultora e  presidente da Associação Brasileira dos Profissionais de Cerveja.

Uma introdução ao fascinante mundo das cervejas gourmets com Cilene Saorin.

E para harmonizar as cervejas, escolhemos a cozinha premiada do a Restaurante Kinoshita, tricampeão na categoria Melhor Japonês, pela Comer & Beber da Revista Veja São Paulo. O chef Tsuyoshi Murakami e o restaurateur Marcelo Fernandes nos acompanharam nesta aventura deliciosa.

Cilene propôs as seguintes cervejas, cada uma delas com características e acentos diferentes.

  • Sapporo Estilo Dry Lagger, Japão, em duas versões: lata e garrafa
  • Damm Inedit (Estilo Wit, Espanha)
  • Amadeus (Estilo Wit, França)
  • Eisenbahn Lust (Estilo Bière, Brut, Brasil)
As eleitas por Cilene Saorin, da esq para a direita: Sapporo Dry Lagger (lata e garrafa) , Damm Inedit, Amadeus e Eisenbahn Lust, todas devidamente geladas na temperatura correta. Foto: Rafael Salvador

Para os japoneses, é comum no alto verão, beber chopp acompanhado de edamame, a soja cozida, talvez o petisco mais popular e que está diretamente associado à cerveja. Solicitamos então uma pequena porção de edamame para Cilene experimentar. Sapporo Dry Lagger, de lata, para começar, baixa fermentação e graduação alcóolica de 4 a 5%. Tem a maior parte do açúcar convertido em álcool devido ao longo período de fermentação. Por isso seu sabor suave e seco. O chef Murakami propôs harmonizar o Dry Lagger, que é uma cerveja desenvolvida no Japão, com boranokô, ova de tainha, passada na chapa, com casquinha crocante. O sabor acentuado do petisco combina bem com a leveza do Dry Lagger, que é frisante e tem um leve amargor, o que dá uma sensação de limpeza do paladar sem chegar a interferir no prato.

Edamame com Sapporo é uma combinação espetacular e muito apreciada pelos japoneses no verão.
Boranoko com casquinha crocante na chapa, um ótimo aperitivo que vai muito bem com uma cerveja.

Provamos a Dry Lagger em versão garrafa também. O líquido é o mesmo, mas as condições de transporte e armazenamento acabam influindo no sabor final. A lata tem uma condutividade térmica maior, o que faz o líquido sofrer mais no transporte de longa distância. Por outro lado, a garrafa deixa passar luz, e claro, isto interfere no gosto final. Comparando as duas, ligeira vantagem para a cerveja em garrafa, que preservou mais o seu frescor.

Aprendendo a tomar cerveja com Cilene Saorin.
Damm: garrafa preta elegante e sabores versáteis.Salmão marinado crocante com flocos de tempurá e ovas de peixe voador.

A Estrella Damm Inedit surpreendeu logo de cara, com sua garrafa-design, toda preta. O renomado chef Ferran Adrià, Juli Soler, os Sommeliers do premiado Restaurante El Bulli e os Mestres Cervejeiros da Damm criaram um novo conceito de cerveja, especialmente elaborada para acompanhar os pratos da alta-gastronomia. A proposta é alavancar a cerveja como uma excelente alternativa ao vinho nos melhores restaurantes. O Estrella Damm Inedit é um coupage único, uma textura cremosa, com suave carbonatação e retrogosto extremamente agradável. Cilene nos explica que em sua composição entram maltes de cevada e trigo, aromatizada com lúpulos e especiarias como coentro, casca de laranja e alcaçuz. A segunda fermentação na própria garrafa potencializa sua complexidade aromática, frutada e floral, com notas doces no paladar.

Marcelo Fernandes, Tsuyoshi Murakami e Jo Takahashi tentam assimilar as orientações de Cilene Saorin
Renovando a brindada a cada nova cerveja.

Para harmonizar a Damm Inedit, o chef Murakami propôs um sashimi de salmão marinado e crispy  com flocos de tempurá e ovas de peixe voador.

O Estrella Damm Inedit surpreendeu, pois tem uma capacidade de não conflitar com os sabores das comidas.

Proposta seguinte: Amadeus com Onsen Tamago, ovo mole cozido em baixa temperatura, com ovas de salmão e ouriço do mar, em molho ponzu agridoce.

A próxima cerveja que abrimos foi o Amadeus Biere Blanche, de procedência francesa. Cilene nos explica que é uma cerveja de trigo ao estilo das Witbier belga, de aparência levemente turva e clara, coloração amarelo-palha e formação de espuma simples e pouco resistente. Seu aroma é levemente cítrico, com toques acentuados de casca de laranja, demonstrando maior presença no sabor, e que remete também ao limão. Também foram observados notas de semente de coentro. É uma cerveja leve e refrescante, produzida pela Les Brasseurs de Gayant.

Para esta, a proposta do chef Murakami foi um Onsen Tamago, um ovo cozido em temperatura baixa, o que o deixa cremoso sem desconfigurá-lo, acompanhado de ovas de salmão, ouriço do mar ao molho ponzu. Foi um grande acerto, pois as ovas combinam muito bem com as Witbier.

Eisenbahn Lust, coloração mais escura. Cerveja com personalidade marcante.

A última cerveja que foi aberta foi o Eisenbahn Lust, com uma garrafa que mais parece champanhe, com rolha e tudo. É produzido pelo método de champenoise, o mesmo método utilizado na fabricação dos melhores champanhes. Esta é produzida em Blumenau, numa microcervejaria Eisenbahn, utilizando leveduras especiais trazidas da Bélgica. Seu perlage apresentou bolhas contínuas e numerosas. Tem uma personalidade marcante, com sabor frutado evocando pêssego e abacaxi, e sem evidência de cítricos. Cilene nos observou que o Lust, ao ser aberto, a zero a 2 graus, tem um comportamento “nervoso”, mas à medida que ele repousa na mesa e sua temperatura vai chegando a 8 até 10 graus, o sabor se modifica, liberando mais aroma.

Siri mole para acompanhar o Lust: conflitos.

O prato servido foi um siri mole frito, e molho ponzu, coroado de cebolinhas. Provamos com o Lust mas tanto o prato como a cerveja, com presença marcante, conflitaram. Voltamos ao Damm, que se revelou versátil também com as frituras.

Já com a intuição mais apurada, arriscamos que o sushi que veio em seguida combinaria mesmo com a Damm. Só para comprovar, testamos com o Lust, mas esta combinação se revelou conflitante. O Lust tem uma presença marcante, e ele é suficiente por si só. Difícil harmonizá-la.

Mais uma tentativa de harmonização, com camarão empanado ao molho tonkatsu.

Para finalizar a sequência de pratos elaborados pelo chef Murakami, veio um camarão empanado com molho tonkatsu e um toque de mostarda karashi. A Damm continuou imbatível, embora um retorno ao Dry Lagger tenha se revelado interessante, pela sua leveza, e sobretudo, pela sua adstringência, que combina bem com a fritura.

Chef Murakami confere o rótulo do Amadeus.

A sobremesa, muito especial, porque foi feito na hora, foram macios bolinhos de mochi recheados com chocolate Valrhona e uma bola de sorvete. Testamos com todas as cervejas, mas o Lust se saiu melhor e compatível devido à sua doçura.

Moti com chocolate Valrhona combina com .....
Jojoscope indica a Damm como a mais versátil cerveja, a que mais combina com todas as opções apresentadas.

Cilene Saorin ilustrou esta degustação, falando sobre Randy Mosher, cervejeiro, designer e autor de três livros sobre a bebida. Randy Mosher elaborou os Voos Cervejeiros, sequências de cervejas, como numa degustação, com o intuito de apresentar a história, falar sobre os ingredientes, sobre a produção das cervejas e suas características. Foi exatamente o que Cilene fez conosco, promovendo uma reeducação cervejeira e mais do que isso, quebrando o tabu de que cerveja não combina com comida japonesa.

Cilene aprovou a harmonização com as comidinhas do chef Murakami.

Restaurante Kinoshita Rua Jacques Félix, 405  Vila Nova Conceição São Paulo SP Tel 11-3849-6940 www.restaurantekinoshita.com.br

Camarão empanado sequíssimo, com molho tonkatsu é uma das grandes atrações do cardápio do Kinoshita.

Matéria originalmente produzida para a Revista #hashitag | edição de primavera 2012

Para conhecer mais sobre Cilene Saorin www.cilenesaorin.com

Fotos: Rafael Salvador rafael@nikkofotografia.com

 

 

 

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