Leituras sobre o Butô

Uma resenha do artista Akira Umeda sobre o livro O Soldado Nu, de Éden Peretta, especialmente autorizado para JOJOSCOPE.

 

O que é Butô?

 Recentemente foi lançado um livro sobre Butô. Foi escrito por Éden Peretta, Professor Doutor da Universidade Federal de Ouro Preto, e chama-se “O Soldado Nu”.
O título é provocador. A imagem de um soldado nu é tabu. Um homem que é treinado para consumar a todo custo uma missão visto nu? Qual seria o sentido desta visão?
No mundo em que vivemos, a nudez é um estado que se compartilha com reservas. Por um lado, os que são forçados a desnudar-se experimentam uma violência cujo simbolismo aproxima-se da morte. Por outro, a nudez é o estado em que chegamos ao mundo.

Mishima Yukio, como São Sebastião, foto de Shinoyama Kishin, 1966

O livro trata justamente disto: da obstinação, da vida e da morte dos homens que inventaram uma arte de existir e de mover-se no mundo hoje conhecida como Butô.

Hijikata Tatsumi, criador da dança Butoh, em foto de Yoshida Ruiko

Os praticantes do Butô são chamados de dançarinos, de atores e de outros nomes. No Japão, entre as décadas de 1950 e 1970, eles tiveram que desnudar-se para, a duras penas, consolidar sua arte. Dançaram, atuaram e ficaram nus em palcos, mas também nos escombros das ruas e becos suspeitos da cidade de Tóquio, e, principalmente, na sensibilidade e nas mentes das pessoas.
Éden Peretta apresenta de forma brilhante a trajetória destes soldados nus. É um dos poucos livros sobre o assunto disponíveis no Brasil. Além disto, é o mais completo e atualizado até o momento. O autor faz uma ampla revisão bibliográfica, lança dúvidas sobre dados inquestionados e desfaz uma série de preconceitos.
Um dos fundadores do Butô esteve três vezes para apresentações no Brasil. Kazuo Ôno, falecido em 2010 aos 103 anos, provocou grande impacto local no ambiente das artes em geral. Na primeira vez, em 1986, Ôno apresentou dois trabalhos. E era já um soldado nu de 80 anos de idade.

Ohno Kazuo, da série Butterfly and Dream, foto de Hosoe Eikoh

Definitivamente, o Butô não é uma arte que alimenta o mito da juventude eterna nem está em concordância com a manutenção dos padrões da aparência e dos modos de ser largamente aceitos hoje em dia.
Ele esgarça este e outros tantos mitos, mas, se prestarmos atenção, veremos que é difícil saber o que é Butô. É algo que pode ser recriado num palco, nas ruas e em tantos outros lugares, como uma arte cênica, um espetáculo que alguns já presenciaram.
Ainda assim, o Butô persiste sobretudo como algo que pode ser recriado de outras maneiras, através de outras linguagens. Na década de 1960, o fotógrafo Eikô Hosoe materializou-o na forma de um livro muito prezado retratando Tatsumi Hijikata, um dos principais articuladores do Butô.

Ohno Kazuo, fotografia de Hosoe Eikoh

Hijikata preencheu vários cadernos com anotações, colagens e desenhos, assim como todos os seus alunos. Ou seja, o Butô também assume a forma de “caderno de artista”, que era uma espécie de partitura de gestos muito abstrata, embora não a indicação de um “método de dança”. Este Butô em páginas pode ainda ser entendido como experimento literário.

Hijikata Tatsumi, em foto de Hosoe Eikoh

Uns poucos cineastas filmaram apresentações da época em que os soldados nus começavam a formular a sua arte. O Butô, assim, manifesta-se também como filme. Na mesma época, designers procuravam captar este “algo”, lançando o Butô na forma de cartazes e pôsteres.
Não é assim que a opinião corrente compreende o Butô. O próprio trabalho de Peretta é crítico quanto isto. Mas o que se pode perceber é que o Butô, seja lá o que for, é uma abertura para a impermanência e para a transitoriedade de nossos corpos e da Arte.
Uma abertura que o gesto da pesquisa de Éden Peretta busca ampliar. “Soldado Nu” vale o gesto da leitura.

Akira Umeda, 2015.

Akira Umeda é artista visual. Nasceu em São Paulo. Vive e trabalha em São José dos Campos, SP. Formado em História, atua nas áreas de pesquisa e produção de artes/multimeios e de gestão de políticas públicas de patrimônio histórico e artes visuais.

O livro: O Soldado Nu
Raízes da Dança Butô Editora Perspectiva  Éden Peretta R$ 44,90

Transformadas e aprofundadas até o nível da própria experiência pessoal de vida, a dança moderna japonesa e a performance são levadas, pelo Butô de Tatsumi Hijikata e Kazuo Ohno, a vivenciar, com intensidade, a contundência da realidade do corpo, que não conhece polaridades como equilíbrio/desequilíbrio, bonito/feio, flácido/firme etc., mas transita por elas enquanto atravessa a miríade sem fim de fluidez das relações humanas internas e externas.

Disposto a perseguir e se jogar no abismo da existência, das contradições e da escuridão para expressar a travessia de um corpo pulsante de anima até mesmo em seus últimos estertores, Hijikata lança as bases de uma nova práxis corporal. Mais que a codificação de uma série de técnicas do movimento, e fez questão de praticar muitas delas, o artista japonês de origem camponesa acabou concebendo um momento de insurreição no interior das estruturas de poder da sociedade do seu tempo por meio de suas atuações na vida e nos palcos.

Éden Peretta, autor de O Soldado Nu: Raízes da Dança Butô, traz novos elementos até então desconhecidos de grande parte das pesquisas brasileiras sobre o assunto. Oferece assim ao público uma fonte histórica ampla e densa, que potencializa o desenvolvimento de futuros estudos interessados na arte desse verdadeiro soldado nu, comandante de um batalhão de armas letais que sonham, esculpidas artesanalmente em sua oficina de carne e sangue.

 

0Shares