Mais um artista se rende à Covid. Ismael Ivo (1955-2021) era um gigante na arte da dança e seu talento foi reconhecido internacionalmente. Atuou mais de três décadas na Europa, onde consolidou seu prestígio como bailarino, coreógrafo e diretor de diversas companhias de dança, entre as quais o Teatro Nacional Alemão de Weimar. Foi também diretor da seção de dança da Bienal de Veneza, onde criou o prêmio Leão de Ouro para este segmento.
Apesar desta carreira brilhante, sua origem era humilde. Nasceu e cresceu em Vila Ema, na zona Leste de São Paulo. Sua mãe, empregada doméstica, foi a grande incentivadora de Ismael para as artes. Conseguiu bolsas de estudo em escolas de dança e atuou como dançarino solo. Quando conheceu Takao Kusuno, coreógrafo japonês que atuou no Brasil entre 1980 e 2001, teve o que Ismael chamava de “batismo artístico”. Takao introduziu não só a dança butô no Brasil, como também o conceito de teatro-dança, duas vertentes que Ismael Ivo abraçou durante toda a sua carreira. Ismael dançou a peça “As Galinhas”, dirigido por Takao Kusuno e Felícia Ogawa. Era um espetáculo de teatro-dança onde as galinhas sentiam inveja de outros pássaros, que voavam. “Era uma metáfora sobre os homens reprimidos, que também não podiam voar, trancados em seus galinheiros”, explicava Ismael.
Aconteceu um fato interessante nos ensaios de “As Galinhas”. Takao Kusuno não gostava do cabelo back power de Ismael. Um dia, ele sugeriu raspar a cabeça inteira. “Não foi um pedido mas uma preocupação estética, eu percebi. Raspei o cabelo sem pensar duas vezes. Foi como um ritual de passagem. Foi um batismo que me fez descobrir um outro corpo, um outro movimento”, nos contou Ismael. Depois daquele momento, e para sempre, Ismael sempre raspou a sua cabeça e virou a sua imagem oficial.
Takao Kusuno introduziu conceitos de butô, mas nunca obrigou Ismael a dançar Butô. Takao induziu Ismael a entender o próprio corpo como identidade. “A dança fluiu de dentro, desde então”, comentava, reforçando que Takao Kusuno foi seu mentor artístico.
Em 1983, Ismael teve a oportunidade de ser descoberto pelo coreógrafo americano Alvin Ailey durante uma apresentação em Salvador, na Bahia. Alvin o convidou para dançar em Nova York. Foi a grande oportunidade para Ismael, o seu primeiro grande voo. Em Nova York, Ismael trabalhou como coreógrafo e dançarino e sua performance saiu até no The New York Times.
Mas a consagração definitiva de Ismael estava por vir. Após Nova York, Ivo mudou-se para Viena. Lá foi um dos fundadores, em 1984, do ImpulsTanz, um dos maiores e mais importantes festivais de dança da Europa. Entre 1999 e 2004, Ivo trabalhou com a famosa bailarina e coreógrafa brasileira Marcia Haydée. Também fez colaborações com Marina Abramovic e Heiner Müller, sempre se posicionando na vanguarda dos movimentos artísticos.
Foi na Alemanha que Ismael teve seu ápice como diretor da companhia de dança no Teatro Nacional Alemão de Weimar, trabalho que desenvolveu entre 1996 e 2005, tendo sido o primeiro bailarino negro e o primeiro estrangeiro a ocupar este cargo. Outro ponto alto no seu currículo foi a direção do departamento de dança da Bienal de Veneza, que exerceu entre 2005 e 2012. Foi iniciativa dele a instituição dos prêmios Leões de Ouro na categoria dança.
Já de volta ao Brasil, o dançarino dirigiu o Balé da Cidade de São Paulo, tendo sido, aqui também, o primeiro negro a ocupar o cargo. Em 2010, ele foi condecorado com a Ordem do Mérito Cultural no Brasil, uma comenda instituída pelo Governo Federal, e que foi criada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
.Assista aqui o programa Arte 1, que dedicou um especial a Ismael Ivo.
E aqui, uma colaboração com o pianista Fábio Caramuru, para o CD EcoMúsica, onde ele dança os movimentos de uma hárpia, tema da música composta por Caramuru neste clipe.
O nosso último encontro foi no Instituto Tomie Ohtake, em dezembro de 2019. Ele dirigiu a performance Jardim Oriental dos Primeiros Desejos, com direção musical de Rodolfo Stroeter, e participação da artista Catarina Gushiken, com sua pintura corporal.