Cinema e imigração: Chá Verde e Arroz

Década de 1930. Quando os imigrantes japoneses se assentaram no noroeste do Estado de São Paulo e no norte do Paraná, surgiu uma atividade que lembra um pouco o circo itinerante. Eram os shinema-ya, projecionistas ambulantes de cinema, que levavam projetor, tela e muita paixão pelo cinema para estas comunidades. Eram como vendedores de ilusões, que matavam a saudade da terra de onde vieram estes imigrantes, por uma hora e pouco. Os projecionistas conectavam os imigrantes a um universo de imagens onde eles podiam nadar em imaginações, relembrando o país que tinham deixado. As narrativas variavam de romances a dramas, passando por estórias de samurais, ninjas e princesas. Na falta de jornais e rádio, o cinema projetado no campo era uma maneira de se atualizar com as tendências do Japão, suspirar com os atores e as paisagens e até sonhar em, um dia, voltar para o local onde o sol nascia.

“Eu nasci, mas…” (Umaretewa mitakeredo), de 1932, um clássico do cinema mudo, dirigido por Ozu Yasujiro. ¢ Shochiku

A chegada dos shinema-ya era aguardada por toda a comunidade, com muitas semanas de antecedência, como um circo. Até panfletos, manuscritos e desenhados à mão, eram distribuídos antecipadamente, para aumentar a expectativa. As comunidades sonhavam com o filme que iria chegar, como crianças esperando o Papai Noel. Era um dos poucos momentos de lazer na árdua rotina das plantações. 

Uma trupe de Shinema-ya, que percorria a região noroeste do Estado de São Paulo, levando filmes que eram projetados ao ar livre. Foto: arquivo da Família Taneko Honda, do Museu Saburo Yamanaka, de Bastos

As sessões de cinema no campo se iniciaram já com o cinema mudo. Os projecionistas, muitas vezes, eram também os benshi (弁士), narradores que faziam as vozes dos atores, homens, mulheres, idosos ou jovens e também narravam como apresentadores. Um benshi era um show-man. Ele abria a sessão de cinema, dando um resumo da história, falava sobre os atores e ainda sugeria prestar atenção em determinadas cenas, dando rápidos spoilers. Por vezes, o benshi extrapolava suas funções. Ele até explicava para público o significado de determinadas cenas. Isso ocorria especialmente nas projeções de cinema ocidental, quando o benshi complementava sua narração com explicações sobre o costume dos europeus e americanos.

Mesmo com o advento do cinema falado, os shinema-ya continuaram a sua peregrinação pelas comunidades japonesas, agora na companhia de caixas acústicas. Muitos colonos brasileiros assistiam aos filmes, por curiosidade. Afinal, era um grande acontecimento que reunia todo mundo à frente da tela, com muito chá verde, oniguiri (bolinhos de arroz) e petiscos.

A cineasta Olga Futemma, à frente da Cinemateca Brasileira há 35 anos, prestou uma homenagem aos shinema-ya, com o belíssimo curta “Chá Verde e Arroz”. O título aliás, é outra homenagem a um clássico de Ozu Yasujiro, “O Sabor do Chá Verde sobre o Arroz” (お茶漬けの味), de 1952. Clique AQUI para assistir o filme “O Sabor do Chá Verde sobre o Arroz” de Ozu Yasujiro, na íntegra. 

Olga Futemma, curta-metragista, é coordenadora-geral da Cinemateca Brasileira. Pesquisadora e gestora cultural, Olga tem se dedicado à preservação da memória do cinema brasileiro. 

Chá verde e arroz

  • Direção: Olga Futemma
  • Companhia Produtora: Tapiri Cinematográfica
  • Ano: 1989
CLIQUE NA IMAGEM PARA ASSISTIR O FILME “CHÁ VERDE E ARROZ” NA ÍNTEGRA Foto: fotogramas do filme
Olga Futemma dirige os atores, durante a filmagem de “Chá Verde e Arroz”. Foto: arquivo pessoal

O curta foi exibido em salas restritas. No Cine Bijou (São Paulo), por exemplo, fez par com “Cinema Paradiso”, de Giuseppe Tornatore. Ambos os filmes têm como tema a relação de uma criança com o cinema. 

Leia também, o lindo artigo que Olga Futemma escreveu sobre os cinemas japoneses do bairro da Liberdade em São Paulo. 
Clique aqui > NINJAS, PRINCESAS E CARAMELOS 

E no Japão, onde nasceu e floresceu a arte dos benshi, foi lançado em dezembro de 2019, o filme Katsuben (カツベン) dirigido por Suo Masayuki (o mesmo que dirigiu o sucesso de bilheteria “Shall We Dance”, que teve até uma refilmagem americana). 

Cartaz de “Katsuben” de Suo Masayuki, que estreou em dezembro de 2019 nos cinemas do Japão. Clique na imagem para assistir ao trailer (em japonês).
0Shares