Década de 1930. Quando os imigrantes japoneses se assentaram no noroeste do Estado de São Paulo e no norte do Paraná, surgiu uma atividade que lembra um pouco o circo itinerante. Eram os shinema-ya, projecionistas ambulantes de cinema, que levavam projetor, tela e muita paixão pelo cinema para estas comunidades. Eram como vendedores de ilusões, que matavam a saudade da terra de onde vieram estes imigrantes, por uma hora e pouco. Os projecionistas conectavam os imigrantes a um universo de imagens onde eles podiam nadar em imaginações, relembrando o país que tinham deixado. As narrativas variavam de romances a dramas, passando por estórias de samurais, ninjas e princesas. Na falta de jornais e rádio, o cinema projetado no campo era uma maneira de se atualizar com as tendências do Japão, suspirar com os atores e as paisagens e até sonhar em, um dia, voltar para o local onde o sol nascia.
A chegada dos shinema-ya era aguardada por toda a comunidade, com muitas semanas de antecedência, como um circo. Até panfletos, manuscritos e desenhados à mão, eram distribuídos antecipadamente, para aumentar a expectativa. As comunidades sonhavam com o filme que iria chegar, como crianças esperando o Papai Noel. Era um dos poucos momentos de lazer na árdua rotina das plantações.
As sessões de cinema no campo se iniciaram já com o cinema mudo. Os projecionistas, muitas vezes, eram também os benshi (弁士), narradores que faziam as vozes dos atores, homens, mulheres, idosos ou jovens e também narravam como apresentadores. Um benshi era um show-man. Ele abria a sessão de cinema, dando um resumo da história, falava sobre os atores e ainda sugeria prestar atenção em determinadas cenas, dando rápidos spoilers. Por vezes, o benshi extrapolava suas funções. Ele até explicava para público o significado de determinadas cenas. Isso ocorria especialmente nas projeções de cinema ocidental, quando o benshi complementava sua narração com explicações sobre o costume dos europeus e americanos.
Mesmo com o advento do cinema falado, os shinema-ya continuaram a sua peregrinação pelas comunidades japonesas, agora na companhia de caixas acústicas. Muitos colonos brasileiros assistiam aos filmes, por curiosidade. Afinal, era um grande acontecimento que reunia todo mundo à frente da tela, com muito chá verde, oniguiri (bolinhos de arroz) e petiscos.
A cineasta Olga Futemma, à frente da Cinemateca Brasileira há 35 anos, prestou uma homenagem aos shinema-ya, com o belíssimo curta “Chá Verde e Arroz”. O título aliás, é outra homenagem a um clássico de Ozu Yasujiro, “O Sabor do Chá Verde sobre o Arroz” (お茶漬けの味), de 1952. Clique AQUI para assistir o filme “O Sabor do Chá Verde sobre o Arroz” de Ozu Yasujiro, na íntegra.
Chá verde e arroz
- Direção: Olga Futemma
- Companhia Produtora: Tapiri Cinematográfica
- Ano: 1989
O curta foi exibido em salas restritas. No Cine Bijou (São Paulo), por exemplo, fez par com “Cinema Paradiso”, de Giuseppe Tornatore. Ambos os filmes têm como tema a relação de uma criança com o cinema.
Leia também, o lindo artigo que Olga Futemma escreveu sobre os cinemas japoneses do bairro da Liberdade em São Paulo.
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E no Japão, onde nasceu e floresceu a arte dos benshi, foi lançado em dezembro de 2019, o filme Katsuben (カツベン) dirigido por Suo Masayuki (o mesmo que dirigiu o sucesso de bilheteria “Shall We Dance”, que teve até uma refilmagem americana).