O administrador de empresas e hoje artesão de massas italianas finas Márcio Shihomatsu se preparava para abrir seu restaurante de massas italianas artesanais quando foi surpreendido pela inesperada aparição do coronavírus, em março deste ano. Ele estava animado, em pleno processo de escolha do local para instalar a sua cozinha, e também se preparando para mais uma viagem de pesquisa e aperfeiçoamento em massas, desta vez na Sardenha, para aprender a fazer Culurgiones, Lorighitas, Su Andarinos, Su Filindeu, especialidades típicas da região. Márcio tinha investido muitos anos em pesquisa na preparação de delicadas massas, com vivência na Itália e no Canadá. Recém retornado ao Brasil, em 2019, ajudou na montagem do Jojo Lab, a cozinha central do Jojo Ramen, de onde é também um dos sócios fundadores, experiência que para ele se tornou importante para formatar a sua própria casa.
A crise, para Márcio, transformou-se em oportunidade. Munido de entusiasmo redobrado, Márcio resolveu montar a produção em sua própria casa, um apartamento confortável no bairro do Paraíso, em São Paulo, que foi totalmente reformado para abrigar a sua cozinha. Lá seria o seu QG experimental, onde seriam criadas as receitas tanto de massas quanto de molhos, mas com a mudança de planos, tornou-se um espaço de produção. A casa física para acolher a clientela ficou postergada para um outro momento em que a situação se normalizasse e o coronavírus estiver sob controle. Esta atitude remete muito à palavra crise, em japonês 危機, que é escrita com dois ideogramas: “perigo” e “oportunidade”. É a maneira como os antigos chineses entendiam as situações que poderiam levar a uma catástrofe. A crise, para os orientais, é uma oportunidade para mudanças de rota e construção de novas estratégias para vencer os obstáculos.
No início de abril, Márcio finalizou os estudos da logo para o Shihoma Pasta Fresca e lançou a ideia exclusivamente pelo Instagram e Facebook. Nem deu tempo para criar um site. Mas a bem da verdade, nem está precisando porque é tudo on demand. Márcio propõe toda terça-feira, o cardápio da semana. São três ou quatro massas, e um molho, que podem ser pedidos pelo Whatsapp (11) 97560-0188, até quinta-feira. A entrega é realizada no sábado à tarde, por motorista credenciado, em bonita embalagem de papelão e transportado em veículo refrigerado.
Provamos em nosso primeiro teste, o Cappelletti di Ricotta Affumicata, recheado com ricota fresca defumada da Brívido₢. O molho sugerido era o manteiga e sálvia, ou creme de leite. Fizemos um molho com manteiga e shissô, acrescentando um pouco de creme de leite.
A massa é extremamente delicada e fina. A sugestão de cozimento era de 4 minutos e meio. Na próxima compra, faremos o cozimento em menos tempo, para garantir maior firmeza no al dente da pasta. A massa realmente impressiona no paladar e se harmoniza muito bem com a ricota com toque defumado de cerejeira. O molho precisa mesmo ser bem leve, quase neutro, para não interferir na delicadeza da massa.
Provamos também o Tagliatelle, macarrão de massa longa de corte reto e largo, com cerca de 6,5 mm de largura. Para esta massa, Márcio recomendou o Ragu di Salsiccia al Finocchio, um ragu de linguiça caseira, de copa lombo, paleta, vinho tinto, tomates San Marzano DOP (denominação de origem protegida), com um leve toque de erva-doce. Convém lembrar que o tomate San Marzano é o único tomate credenciado que pode ser usado no molho para a verdadeira pizza napolitana. Ele é pontiagudo, comprido, de sabor intenso e extremamente saboroso, dotado de um umami potente.
Márcio Shihomatsu abriu uma brecha em seu intenso processo de produção para nos contar mais sobre sua história.
Sua formação é Administração de Empresas né? Quando surgiu seu interesse pela cozinha?
Sim. Depois de me formar ainda fiquei cerca de 10 anos trabalhando em consultoria financeira.
Meu interesse começou pela boca. Minha primeira memória afetiva de comida é da minha avó materna. Quando ainda era criança, depois de visitar meus avós em Tupã, voltávamos de carro e minha avó sempre preparava um obentô (marmitas japonesas) para comermos na viagem que consumia sete horas na estrada. Era a melhor parte da viagem, sem dúvida.
Já o interesse pela cozinha surgiu na adolescência. Juntava dinheiro para ir a restaurantes de diferentes cozinhas. Essa era a minha diversão. Foi quando comecei a gostar de cozinhar para os outros, família e amigos.
Lembro me que minha mãe fazia um fettuccine, massa já pronta, com molho bechamel e espinafre. Eu devorava uns quatro pratos. Hoje quando faço o recheio do ravioli de ricota e espinafre me lembro desse prato.
Ser sócio do Jojo Ramen foi um dos primeiros passos para entrar no mercado gastronômico?
Quando Simone Xirata estava planejando o Jojo Ramen, estava em Toronto, no Canadá. Fazia um curso de culinária na George Brown College e trabalhando em restaurantes. A ideia de mudar de ramo eu já cultivava desde 2010.
Infelizmente não pude participar dos preparativos para a inauguração do Jojo Ramen, em 2016 mas acompanhei, com entusiasmo, de longe.
E o seu interesse mais específico pelas massas italianas surgiu como? Conte sobre seu aprendizado e formação nesta especialidade.
No primeiro restaurante onde trabalhei, Nota Bene em Toronto (um dos melhores restaurantes do Canadá na época, comandado pelo chef David Lee, que fechou em 2018), as massas eram espetaculares! Apesar de ser um restaurante de cozinha contemporânea eles tinham um cuidado especial com as massas. O restaurante comprava as massas de um outro restaurante. Quando fui atrás do fornecedor descobri que era a Famiglia Baldassare, do Leandro Baldassare. Eles são fenomenais e uma importante referência para mim. Eu obviamente já amava massa e a culinária italiana, mas foi esse contato que me apontou o caminho. A partir dessa descoberta fui trabalhar em um restaurante chamado Tutti Matti, de Alida Salomon. Ela passou 8 anos trabalhando na Toscana, na região central da Itália. Faziam a massa na casa, tudo com muita simplicidade, selecionando os melhores ingredientes para este ofício.Esse é um exemplo que adotei para mim também. Em 2015, já decidido em focar e me desenvolver em massas fiquei um mês na Itália. Foi uma imersão solitária, com o objetivo de absorver ao máximo a cultura local e conhecer os diferentes tipos de massa. Fiquei mais tempo em Apulia e Emilia Romagna. Duas regiões com uma cultura muito rica em massas, mas completamente diferentes.
Em Apulia aprendi a fazer as massas com sêmola e água: Cavatelli, Capunti e Orecchiette. e condimentos (molhos) mais suaves e simples. Já na Emilia Romagna, especialmente em Bologna, aprendi as massas com farinha de grano terneiro (soft wheat) e ovo, como o Tagliatelle, Pappardelle, Tortelli, Tortellini e condimentos mais intensos como o famoso Ragu ala Bolognese. Nessa região tive o primeiro contato com uma linda prática de abrir a massa com o matterello (o rolo de esticar massa). Essa prática é utilizada em toda a Itália, mas Bologna é onde ela é mais difundida e desenvolvida.
Após essa viagem ainda trabalhei em três outros restaurantes Italianos como pastaio e cozinheiro, onde pude praticar e me aprofundar mais em massas. Além disso, sempre que posso faço estágios para aprender, como quando fiquei três dias no Flour + Water em San Francisco, um restaurante referência em massas italianas e que tem um menu degustação somente de massas.
Também aprendo muito com livros sobre massas e culinária Italiana. Tenho dez livros só de massa Italiana. Porém, acredito que mais importante é a prática. A cada dia aprendo ou ajusto processos para melhorar. Estou apenas no começo ainda.
Com o súbito alastramento do Covid e fechamento temporário dos restaurantes, seu plano de ter uma casa física foi postergada. Por outro lado, você se lançou num segmento ainda novo, que é a produção das massas por demanda. Como é o seu processo de trabalho?
Sim, agora exatamente eu estaria na Sardegna. O plano era ficar mais um mês pela Itália novamente.
Sobre o processo de trabalho: uma semana antes começo a pensar no cardápio, penso muito em quais tipos de massas os clientes vão gostar, mas também tento alinhar com massas regionais ainda pouco conhecidas do público. Por exemplo, na semana passada, fiz Culurgiones. Assim, toda terça seguinte eu lanço o cardápio da semana, na sexta faço as massas longas e no sábado faço as massas recheadas. A entrega é no próprio sábado através de um carro refrigerado. Estou muito agradecido, pois tenho recebido uma resposta muito boa das pessoas. Infelizmente por enquanto sou somente eu e minha capacidade de produção é limitada.
Há dificuldades para trabalhar no Brasil? Por exemplo a qualidade da farinha ou da água…
Bastante. Devido principalmente ao clima, o trigo brasileiro tem baixa concentração de proteína e com um tipo de glúten mais fraco. Além disso, também é difícil achar uma farinha ultra fina (tipo “00”) e com baixas cinzas (ash content). Sempre estou pesquisando novas farinhas nacionais e tenho encontrado algumas muito boas. Ovo também foi muito difícil, mas felizmente encontrei um fornecedor pequeno, orgânico e que cria as galinhas soltas. Em relação a queijos, São Paulo possui diversos artesãos do queijo que estão com produtos de ótima qualidade. Sempre que posso uso queijos e ingredientes nacionais.
Um cozinheiro que seja referência para vc e o seu trabalho, existe?
Claro! Muitos na verdade. Leandro Baldassare, Claudia Casu, David Marcelli, Yum Hwa do Ben Fatto. Todos pastaios fenomenais. Tem também o Alberto Bettini do Amerigo 1934 e Mara Sales do Tordesilhas. Ambos trabalhando com tradição e modernidade de uma maneira que me agrada muito. E claro, não devemos esquecer Takeshi Koitani, chef consultor que veio do Japão para consolidar o cardápio do Jojo Ramen. Simone Xirata, sócia-fundadora e executiva do Jojo Ramen, embora não seja cozinheira (mas pula para dentro da cozinha quando necessário), é uma empreendedora que admiro muito e é importante referência para mim.
O próximo cardápio sai na terça-feira, e a entrega, sempre no sábado à tarde. Corram para fazer o pedido, portanto.
PEDIDOS PELO WHATSAPP 11 97560-0188 ou pelo Instagram ou ainda Facebook.