Marianne Nishihata: Amor entre Guerras

Um romance acima de guerras

Livro de Marianne Nishihata conta a história de amor real entre uma brasileira e um japonês que lutou pelo Brasil na Segunda Guerra Mundial

Tomiyo Yamada viu a carioca Ilma pela primeira vez na estação de trem de Mogi das Cruzes, numa tarde ensolarada de dezembro de 1940. O que mais lhe chamou atenção foram seus cachos quase loiros, embalados pelo vento. Ilma, por sua vez, tinha paixão por homens asiáticos. Mas, recatada e religiosa, não deu muita bola para os olhares instigantes daquele desconhecido bem apessoado. Alguns dias se passaram e eles se reencontraram na Missa do Galo, e, a partir daí, foram muitos encontros e desencontros na pequena cidade do interior de São Paulo. O destino dos dois já havia sido selado e nem mesmo uma tenebrosa guerra foi capaz de arrefecer a paixão que nasceu na plataforma daquela estação. Nem mesmo a morte. Esta poderia ser a sinopse de um filme de Hollywood, no entanto é a história real do japonês Tomiyo Yamada, um soldado da FEB, e da carioca Ilma Faria, separados pelo ciúme, pelas diferenças raciais e, por fim, pelo horror da Segunda Guerra Mundial. Mas o amor tudo vence.

Resenha por Chiaki Karen Tada 

Aos se completar os 110 anos da imigração japonesa no Brasil, com certeza a união e a integração entre os dois povos serão lembradas como um caso de sucesso. Essas palavras soam grandiosas, mas pode-se dizer que tal união e tal integração foram sendo construídas no dia a dia de cada imigrante e das pessoas que eles encontraram aqui. Sentimentos como amor e amizade certamente surgiram assim, no cotidiano, na convivência diária entre eles.

É da construção dessas relações afetivas, que não raro passaram pela superação de desafios e preconceitos, que nos fala o livro “Amor entre Guerras”, da jornalista Marianne Nishihata, publicado pela Editora Planeta. O romance conta a história de amor real entre a brasileira Ilma Faria e o japonês naturalizado brasileiro Alberto Tomiyo Yamada, que lutou na Segunda Guerra Mundial, como parte da Força Expedicionária Brasileira (FEB).

Fotos de Alberto Tomiyo Yamada, que lutou na Europa em 1944 e 1945. (arquivo de família)

Os dois se conheceram na década de 1940, se apaixonaram e pouco depois Tomiyo foi convocado para a guerra. Antes de partir para a Europa, tornaram-se noivos, e assim enfrentaram as incertezas trazidas pelo conflito mundial, como a distância, a dificuldade de se corresponderem e a morte. Também tiveram como desafio a resistência e a não aceitação do relacionamento por parte de alguns membros da família de Tomiyo.

Uma das cartas resgatadas pela autora. (arquivo de família)

Para compor a obra, que começou como um trabalho de conclusão do curso de jornalismo, Marianne baseou-se principalmente nas cartas que os dois trocaram antes e durante a guerra. A jornalista também fez diversas entrevistas com Ilma (quando ela conheceu a protagonista da história, Tomiyo já havia falecido), ao longo de sete anos, além de conversar com amigos e familiares do casal e fazer pesquisas sobre a participação brasileira na Guerra.

Além de acompanhar os principais acontecimentos do relacionamento dos dois enamorados, a obra permite vislumbrar como era o cotidiano das famílias afetadas pela guerra, desde a falta de mantimentos básicos, como o açúcar, e a busca por informações sobre mortos e doentes, até a censura e o desencontro de correspondências. Também mostra como era a vida no front, o frio, os breves momentos de alegria e as batalhas que os pracinhas do Brasil vivenciaram na Itália.

Veja um trecho da carta que Tomiyo enviou a Ilma após o desembarque na Itália, datada de 6 de outubro de 1944:

Saudosa noiva Ilma,

Finalmente depois de muitos dias de viagem chegamos ao nosso novo destino. É um novo continente, bem longe do nosso, onde tudo é novidade para nós brasileiros.

E leia uma parte da primeira de muitas cartas que Ilma escreveu para Tomiyo, quando ele estava na guerra. Esta, datada de 10 de novembro de 1944:

Meu querido noivo,

Recebi suas três cartas e fiquei muito contente por você estar passando bem de saúde. A minha alegria foi tanta que só depois de algumas horas é que consegui ler, pois não conseguia ver as letras. Você nem imagina como fiquei. Me sinto orgulhosa de meu noivo estar defendendo o nosso querido Brasil. Um dia, mais tarde, contaremos aos nossos ‘herdeiros’ como você foi corajoso, um herói, enfim um brasileiro de ‘fibra’.

O livro foi lançado em 2015. Mas, nestes tempos de polarização em torno de temas como imigração, identidade e conflitos, a leitura da obra de Marianne não deixa de ser um convite para refletirmos um pouco mais sobre tolerância, amizade e compaixão. E de celebrarmos o fato de que histórias como a de Ilma e Tomiyo contribuíram para estarmos celebrando os 110 anos da imigração japonesa no Brasil.

Jojoscope esteve no lançamento do livro, que aconteceu na Livraria Cultura, do Shopping Iguatemi, em São Paulo.
… e conheceu, pessoalmente, as quatro filhas do casal Tomiyo e Ilma. 

Marianne Nishihata se formou em jornalismo na Universidade de Mogi das Cruzes (SP), em 2001. Após morar em Tóquio, trabalhando como jornalista da revista Made in Japan, e de passar pelas redações do jornal Agora SP, G1 e da revista Veja São Paulo,atuou como gerente de produto digital, na Editora Abril. Atualmente, trabalha com softwares na empresa ThoughWorks. Amor entre guerras é seu primeiro romance.

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AMOR ENTRE GUERRAS – de Marianne Nishihata, Editora Planeta, 2015. R$ 39,90 na Livraria Saraiva.

 

 

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