Inverno no Aizomê

A temporada de pratos para esquentar corpo e alma já chegou no melhor restaurante japonês, na apuração dos críticos da Folha de S.Paulo 2014. Refletir as mudanças da estação é uma das qualidades marcantes da gastronomia japonesa. Por isso, os chefs Shin Koike e Telma Shiraishi fazem questão de compor o cardápio com os melhores ingredientes do momento. E no inverno, nós já sabemos, os peixes ficam mais gordos. Temporada de ótima pesca.

O jantar degustação de inverno completo que a casa oferece é composto por um otôshi (couvert), duas sugestões de entrada do dia, uma linda porção de sashimi, sushi e por fim, duas sugestões de prato principal, além da sobremesa. A degustação tem preço fixo de R$ 190,00.

O menu degustação tem pratos variáveis todos os dias, em função da obtenção dos melhores ingredientes. Mas a grande sensação é provavelmente, o sanma grelhado, que não deve faltar pois é importado congelado do Japão. O sanma é um peixe delicioso e popular no Japão, e no outono ficam encorpados com bastante gordura e seu sabor se intensifica.

Sanma: peixinho com gosto de outono-inverno. Foto: Henrique Peron

O sanma grelhado temperado só no sal é considerado “o sabor do outono”. Por isso, o título em inglês do filme “Sanma no Aji” (秋刀魚の味, 1962, literalmente, “o sabor do sanma”), de Ozu Yasujiro é “An Autumn Afternoon” (ou “uma tarde de outono”). Melhor mesmo ficou a tradução para o português: “A rotina tem seu encanto”, na interpretação da professora Madalena Cordaro Hashimoto, da Universidade de São Paulo. Outono e rotina expressam bem a posição deste peixe, sempre presente nas mesas japonesas. O sanma tem um sabor de maturidade. Não é apropriado para paladares jovens. E o título do filme é uma metáfora da vida. Detalhe: o peixe não aparece nem uma vez no filme, para o desespero de muitos gulosos.

Neste longo trailer, vejam cenas de Ozu dirigindo algumas cenas de “Sanma no Aji”.

Iwashita Shima, deslumbrante, em "Sanma no Aji" (A rotina tem seu encanto/An Autumn Afternoon)

Para saborear melhor o sanma, a chef Telma escolta o peixe com nabo ralado, sudachi (um tipo de limão japonês) e hajikami (brotos de gengibre em conserva). O sanma é aproveitado inteiro, inclusive os intestinos. É um hábito típico no Japão, e como manda a tradição: assado na grelha.

Destaque para os complementos que vem com o sanma: nabo ralado (que dá um frescor no paladar), limãozinho sudachi, broto de gengibre e folha de mitsuba. (Foto: Henrique Peron)

Outro prato que não deve faltar na sequência são os mariscos brancos de Santa Catarina, preparados ao vapor, com leve toque de saquê, shoyu e um caldinho de manteiga de alho com shiso que faz a gente esquecer a compostura e lamber as conchinhas. Mergulhe, sem cerimônia.

Sensacionais mariscos. Não despreze o caldinho de manteiga de alho com shiso, onde fica depositado todo o umami do marico! (Foto: Henrique Peron)

A roulade de pargo e lagostim ao yuzu ankake é outro destaque exuberante do cardápio de inverno. Aqui comparece uma cauda de lagostim envolta em filé de pargo ao vapor, guarnecida com cogumelos e legumes da estação e molho à base de dashi perfumado ao yuzu (cítrico japonês) e kuzu (fécula de raiz japonesa tipo araruta).

Roulade. Prato nobre e sofisticado, que combina com as peças cerâmicas de Kimi Nii. Foto: Henrique Peron

Outra atração, mais leve, é o kanten do mar: gelatina de algas com agar-agar, com ovas de ouriço e salmão, camarão e cogumelos, servido com molho ponzu (cítrico).

Tão transparente e leve, ele até poderia estar no cardápio de verão. Kanten (gelatina de agar-agar) de frutos do mar. Foto: Henrique Peron

A sequência foi iniciada com o tradicional dobin mushi, que é reconfortante e aquece por dentro. Trata-se de um  caldo tipo consomé, levíssimo, que inclui ingredientes variados (camarão, vieiras, peixe, legumes, cogumelos) e vem num recipiente próprio de cerâmica, que lembra um pequeno bule. A tampa serve para tomar o caldo. Um pingo de micro-limão, escolhido a dedo pela chef Telma,  dá um toque todo especial no caldo.

O dobinmushi é um prato divertidíssimo: começa-se pescando os ingredientes que estão escondidos dentro do bulezinho de cerâmica, deliciando-se com as diferentes texturas e sabores. Em seguida, prova-se o caldo, no cálice que é a própria tampa do recipiente. Um pingo de limão para enaltecer o sabor e pronto. O ritual pede mesmo um bom saquê. No dia da degustação foi servido o Oze no Yukidoke Guinjo, que harmonizou perfeitamente com a sequência. Foto: Henrique Peron.

Outra opção de entra é o chawan-mushi. É um flan salgado de ovos, feito com caldo dashi, recheado com pedaços de peixe, cogumelo shimeji e legumes. No Aizomê, a receita segue a tradição à risca, incluindo a semente de gingko biloba, o guin-nan, fruto que simboliza o outono.

Entradinha também muito leve, o chawan mushi vem com sementes de gingko biloba, referindo-se ao inverno. (Foto> Henrique Peron)

Nas opções da sequência do menu de inverno, é possível optar também pelo sukiyaki, tradicionalíssimo cozido japonês, com carne, verduras, tofu. O sukiyaki é um ritual comunitário para se fazer na mesa, mas na versão Aizomê ele já vem montadinho em porção individual.

Os sashimis e sushis da sequência estão espetaculares. Há variações no dia a dia e se der sorte, o sushi de viera está fantástico.

Um sashimi encantador. No inverno, os peixes ficam mais gordos e deliciosos. Foto: Henrique Peron

Experimentamos a carne wagyu grelhada, acompanhada de tenros legumes e arroz.

Wagyu: carne marmorizada e grelhada no ponto certo. Os legumes que acompanham dão um show, e não são coadjuvantes da carne. Foto: Henrique Peron.

Para quem quiser, ainda, a casa oferece como outra opção, o Yosenabe, uma caldeirada com king crab, marisco branco, robolo, frango e tofu, legumes e verduras, num caldo de dashi potencializado com missô. É uma experiência bem consistente para os dias de frio.

Yosenabe em porção individual. Opulência. Foto: Henrique Peron

Das diversas sobremesas, destacamos uma que é um luxo, em matéria de diversidade de sabores: o suflê de chocolate com molho de wasabi. O suflê vem morno, e sobre ele é colocado o molho de wasabi, que vem num cálice à parte, a gosto. Acompanha um sorvete de creme.

Dentre as diversas opções de sobremesa, esta talvez seja a mais espetacular e consistente. Se sobrar fôlego, após cumprir a sequência, Jojoscope sugere experimentar esta explosão de sabores. A confluência entre o wasabi e o chocolate provoca uma inusitada surpresa. Foto: Henrique Peron

 

SOBRE O AIZOMÊ

Chef Telma Shiraishi: conferindo um toque feminino no cardápio do Aizomê. Foto: Jojoscope

O Aizomê é considerado um dos melhores restaurantes japoneses do Brasil. Foi eleito o melhor da sua categoria por dois anos seguidos pela revista Veja São Paulo (2008 e 2009) e pela Folha de S.Paulo (2014).  Originalmente o cardápio e conceito do restaurante foi criado pelo chef Shin Koike, privilegiando a autêntica cozinha japonesa, convocando porém, alguns ingredientes brasileiros, com um inconfundível toque autoral. Atualmente, quem comanda a cozinha com mais presença é a chef Telma Shiraishi, que herda e preserva a proposta do mestre, conferindo um toque mais delicado e feminino, e priorizando especialmente a pesquisa de novos ingredientes.

O menu degustação à noite, com 7 pratos, custa 190 reais, e no almoço ganha uma versão reduzida e mais em conta por 120 reais, composto por uma salada, uma sugestão de entrada, sashimis e sushis e um prato principal, dependendo do dia pode ser um lombo de cordeiro recheado com shissô e cogumelos e molho tipo yakiniku. A sobremesa fica à escolha do cliente.

Quem preferir pode aproveitar ainda o menu executivo composto de salada, somen (macarrão), peixe ou carne, missoshiru, arroz, tsukemono e sobremesa por tentadores 49 reais.

O restaurante ocupa o número 39 de um casarão, mas não tem placa de identificação, o que tornou o restaurante um lugar a ser descoberto pelos apreciadores da verdadeira culinária japonesa e uma nova experiência gastronômica.

Como o Aizomê tem apenas 45 lugares, os clientes recebem um atendimento personalizado. Há a opção de sentar-se em mesas, no balcão de sushi ou em salas reservadas. Recentemente a casa ganhou uma sala para 15 lugares onde são realizadas degustações e harmonizações.

SERVIÇO

AIZOMÊ

Endereço:Alameda Fernão Cardim, 39 – Jardim Paulista- São Paulo – SP

Horário de funcionamento: ALMOÇO: de segunda a sexta, das 12h às 14h30. JANTAR: de segunda a sábado, das 18h30 às 23; Domingo (fechado). Cartões: todos. Valet/manobrista (R$15).

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