O Livro do Chá

Livro desvenda, analisa e inspira sobre o Cerimônia do Chá, os seus signos  estéticos e filosóficos. Uma ótima referência bibliográfica para quem quiser se aprofundar no universo do chá. Mais uma excelente publicação da Editora Estação Liberdade, com caprichada tradução de Leiko Gotoda.


A obra

Superado o impacto inicial da abertura cultural e econômica ocorrida no Japão da Era Meiji, a cultura japonesa, então em crise devido a uma progressiva “ocidentalização”, começa a reagir. Artistas e pensadores passam a refletir sobre o ponto de equilíbrio a ser alcançado entre renovação e tradição. Se a economia do país necessitava de fato de uma modernização, o mesmo não se poderia aplicar indiscriminadamente a uma cultura secular como a japonesa.

Nesse contexto surge, em 1906, este O livro do chá, o terceiro do escritor Kakuzo Okakura. Escrito em inglês, com o objetivo de levar a obra a um maior número de leitores, O livro do chá é muito mais que um livro explicativo sobre chanoyu, a cerimônia do chá. Trata-se de um texto reflexivo, que conduz o leitor, por meio da compreensão do cerimonial, a uma profundidade a princípio insuspeitada: por trás da cerimônia do chá estão o taoísmo, o zen, todo um arcabouço filosófico que é anterior à sua face ritualística. À fugacidade e ao imediatismo que norteiam o mundo industrializado, o autor estabelece como contraponto estético e filosófico a cerimônia do chá — um culto ao presente, sim, mas também a busca da perfeição por meio da repetição secular do mesmo ritual.

Complementando os sete capítulos que compõem a obra de Okakura, a presente edição traz um prefácio e um posfácio assinados por Hounsai Genshitsu Sen, grande mestre do chá, e foi primorosamente traduzida por Leiko Gotoda. Escrito há mais de um século, O livro do chá persiste como uma das grandes obras introdutórias à cultura oriental.

 

 

Okakura Kakuzo: um introdutor da cultura japonesa para os ocidentais

 

O autor

Kakuzo Okakura (1862-1913), crítico e professor de arte, participou na fundação da primeira Academia Japonesa de Belas Artes e do Instituto Japonês de Belas Artes. Mais tarde, nos Estados Unidos, trabalhou no Museu de Belas Artes de Boston. Escritas em inglês, as suas principais obras, O livro do chá (1906) e The ideals of the East (1903), deram a conhecer a arte asiática aos ocidentais. Kakuzo Okakura foi uma referência intelectual para personalidades como o filósofo Martin Heidegger e o poeta Ezra Pound.

Trechos

“Ele percebia a chanoyu como uma forma de cultura espiritual, uma disciplina que se transforma em ‘arte de vida’. A chanoyu engloba uma apreciação dos itens mais corriqueiros do cotidiano, e em seu cerne reside uma ‘geometria moral’ que nos mantém cônscios de nosso lugar no grande esquema universal. Nunca se precisou tanto dessa compreensão quanto nos dias atuais.” (p. 18)

 

“Os homens sempre procuraram erguer monumentos imponentes e duradouros à grandiosidade humana, mas Okakura resistiu à impetuosa tendência de sua época rumo à industrialização e ao militarismo e, com audácia e imaginação, compôs um pequeno livro que, ao incorporar o espírito de um encontro para tomar um pouco de chá, continua até hoje a nos revigorar e a nos lembrar de nossa humana natureza.” (p. 19)

 

“Um estrangeiro pode sem dúvida se espantar com tanto estardalhaço por motivo aparentemente insignificante. Que bela tempestade em copo de chá!, dirá ele. Mas quando consideramos quão pequena é afinal a xícara do prazer humano, quão rápido ela transborda de lágrimas, quão fácil se esgota em nossa sede insaciável por infinitude, deixando apenas borra, não deveríamos nos censurar por darmos tanta importância à xícara de chá.” (p. 24)

 

“A chaleira sinaliza com eficiência, pois peças de ferro são arranjadas em sua base de maneira a produzir uma melodia peculiar, na qual se torna possível ouvir ecos abafados de uma catarata, de um mar distante quebrando sobre rochas, de uma tempestade varrendo o bambuzal ou ainda o sussurrar de pinheiros no topo de uma longínqua montanha.” (p. 68)

 

“No aposento do chá, a fugacidade é sugerida pelo telhado colmado, a fragilidade, nos pilares esguios, a leveza, nos suportes de bambu, e a aparente negligência, no uso de materiais comuns. O eterno é encontrado apenas no espírito, que, materializado neste ambiente simples, o embeleza com a luz sutil da sua elegância.” (p. 71)


 

“Em nosso século egocêntrico, que inspiração lhes oferecemos? O passado pode muito bem contemplar com piedade a pobreza de nossa civilização; o futuro rirá da aridez de nossa arte. Estamos destruindo a arte ao destruir a beleza da vida. Que bom seria se um poderoso mago pudesse moldar do tronco da sociedade uma poderosa harpa cujas cordas ressoassem ao toque da genialidade.” (p. 86)

 

“Algumas flores se glorificam na morte — as flores das cerejeiras japonesas com certeza o fazem ao se submeterem livremente aos ventos. Quem já se postou diante de uma avalanche fragrante em Yoshino ou em Arashiyama deve ter se dado conta disso. Por um momento, elas pairam como nuvens recamadas de jóias e dançam sobre águas cristalinas; e então, enquanto se afastam singrando a lépida correnteza, parecem dizer: ‘Adeus, primavera! Estamos a caminho da Eternidade.’” (p. 100)

 

“Esse ‘chá’ se desenvolveu como um modo de vida — um meio de adestramento na busca da satisfação espiritual. Esse ‘chá’ era a chanoyu. Baseado na idéia de que nunca poderemos obter paz íntima sem um esforço deliberado no sentido de nos libertarmos dos cuidados e dos desejos mundanos, chanoyu ofereceu-nos a chance de irmos além dos apegos do cotidiano e de sondar nossas raízes humanas. Ao assim proceder, chanoyu abraçou uma preocupação universal.” (p. 110)

 

O LIVRO DO CHÁ

Kakuzo Okakura
Editora Estação Liberdade 

Tradução e notas: Leiko Gotoda

Prefácio e posfácio de Hounsai Genshitsu Sen

136 p., 14 x 21 cm ISBN: 978-85-7448-140-1 R$ 36,00

À venda nas boas livrarias.

 

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