Toru Takemitsu, um dos compositores contemporâneos mais versáteis (compunha obras sinfônicas, música de câmara, músicas para coral, além de trabalhar com trilhas para filmes, vinhetas para programas de televisão, arriscando-se por vezes até em música popular) é pouco executado no Brasil, talvez pela estranha sonoridade de suas músicas. Em alguns casos, a dificuldade maior é justamente na orquestração, que exige a participação de instrumentos japoneses, como o biwa e o koto.
A OSESP escolheu Toru Takemitsu como o compositor transversal da temporada 2015, abrindo espaço para suas composições e convidou Jo Takahashi para apresenta-lo na revista da OSESP.
Takemitsu: um mago dos silêncios
Texto originalmente escrito para a Revista OSESP
Um dos aspectos que tornam a cultura japonesa absurdamente hermética para os ocidentais, mas ao mesmo tempo, fascinante, é o culto ao vazio, revelado especialmente nas artes tradicionais e no zen-budismo. Na arquitetura clássica e nos jardins, os espaços vazios criam tensões que tornam o diálogo entre dois eixos mais dinâmicos. Nas gravuras ukiyo-e, estes vazios podem potencializar expectativas contidas, como a espera por uma chuva que tarda a cair. O fato é que o vazio, na cultura japonesa, não significa ausência. Pelo contrário, trata-se de um espaço intervalar de grande potência expressiva, que extrapola molduras e atinge os sentidos mais subliminares. O vazio, na estética japonesa, não é estático, mas um elemento de inflexão que prepara para um próximo salto. Um momento em suspensão dramática.
Toru Takemitsu (1930-1996) soube extrair a potencialidade do vazio e inseri-la na linguagem da música contemporânea, sobretudo na forma do silêncio que para Takemitsu, era tão importante quanto qualquer nota musical na partitura. De fato, interpretar Takemitsu exige do músico uma devoção que vai além da leitura e interpretação convencional da partitura. Ele sempre recomendava para a orquestra tocar “como se estivessem contemplando uma pintura”. Nesse ato, que vai além da percepção da beleza tonal, é preciso incorporar a magia da suspensão do silêncio intervalar.
A formação musical de Takemitsu foi extremamente diversificada, mas é certo que a sua primeira infância na companhia da tia, professora de koto, instrumento tradicional de cordas, foi decisiva para a imersão na atmosfera melódica da música clássica nipônica. Acordes que lembram o koto foram incorporados já em suas primeiras composições, inacabadas, datadas de 1949, quando tinha 19 anos. Já o jazz foi herança de seu pai, um amante de blues. A ele se somaram peças canônicas modernas de Debussy (até por suas semelhanças tonais com a música japonesa), Schönberg e Messiaen, a música americana que era transmitida pela rádio durante a ocupação militar no pós-guerra e em especial, as trilhas sonoras de filmes, que ele devorava e metabolizava no escuro do cinema. Foi seduzido pela música de vanguarda, especialmente de John Cage. E como num passe de mágica, se instaurava uma circularidade entre eles: Debussy e Cage se encantaram com a escala pentatônica da música japonesa, e a troca foi inevitável. E essa dinâmica trazia de volta os acordes japoneses para Takemitsu, que resolveu introduzir instrumentos como o biwa (o alaúde japonês), o shakuhachi (a flauta de bambu) e o koto em formações sinfônicas, como em November Steps, uma de suas mais representativas obras sinfônicas. November Steps foi uma obra encomendada pela Filarmônica de Nova York para as comemorações de seu 125º Aniversário, e teve sua première mundial em Novembro de 1967, com a regência de Seiji Ozawa. Na primeira audição mundial, estavam na plateia nada menos que Leonard Bernstein, Krzysztof Pendereck e Aaron Copland. Conta-se que Bernstein chegou a chorar de emoção ao ouvir esta peça. O que o teria encantado tanto? Provavelmente, a tensão e a beleza do silêncio, raramente ouvido na música ocidental. E que se tornaria uma grande novidade aos ouvidos ocidentais.
Se estivesse vivo hoje, o compositor japonês teria completado 85 anos. Takemitsu foi um dos maiores compositores do século XX, mas sua obra ainda é pouco executada no Brasil. Sua presença na programação deste ano na OSESP se torna muito oportuna, neste momento em que se comemoram os 120 anos do Tratado de amizade entre o Brasil e o Japão.
Foi no início de sua carreira como compositor, por volta de 1950, que Takemitsu começa a frequentar o coletivo de jovens artistas, a Jikken Kobo, ou literalmente, estúdio experimental, que iria se tornar o núcleo do movimento de arte de vanguarda no Japão do pós-guerra. Lá teve um intenso intercâmbio com poetas, artistas plásticos e outros músicos, através dos quais flerta com a música eletrônica e a música concreta. Mas foi a pluralidade do coletivo que lhe abriu as portas para a composição de trilhas para filmes. Assinou a música de Kurutta Kajitsu (Paixão Juvenil) dirigido por Ko Nakahira, talvez o mais representativo filme da nouvelle vague japonesa. E foi provavelmente com as trilhas para filmes que se tornou mais conhecido no Ocidente, pelo menos no âmbito mais popular. Ele assinou trilhas para nada menos do que 105 filmes de longa metragem de diretores consagrados como Akira Kurosawa e Nagisa Oshima. Takemitsu foi um grande cinéfilo também. Assistia a centenas de filmes por ano. Em 1987, com a morte de Tarkovsky, compôs Nostalgia como homenagem póstuma ao cineasta russo.
A String around Autumn
Por trás da aparência franzina de Takemitsu, havia um homem capaz de enfrentar até um Golias como Akira Kurosawa, conhecido como Imperador, devido ao seu estilo autoritário de dirigir e de tratar os seus companheiros durante a produção. Na edição do épico Ran, para o qual Takemitsu compôs a trilha sonora, Kurosawa não hesitou em cortar trechos da composição original para adequá-la às cenas. Mas quando o Imperador começou a introduzir efeitos na música, como aumentar os graves para potencializar a cena dramática, Takemitsu se retirou do estúdio de som, pedindo para que retirassem o seu nome dos créditos. A equipe de produção logo tentou acalmar os ânimos do compositor, que se recompôs, mas não perdoou o diretor. “Esta será a última vez que trabalho com você”, teria dito na ocasião. Takemitsu teria sido talvez o único, na história, a repudiar publicamente o autoritarismo do grande Imperador.
Nos últimos anos de sua vida, já acometido de linfoma, enfrenta seu último desafio, – a ópera -, o único gênero a que Takemitsu jamais havia se debruçado. La Madrugada tinha sua pré-estreia programada no Opera de Lyon. Um título digno para o mago dos silêncios subliminares.
Jo Takahashi
Programação Toru Takemitsu na Sala São Paulo
22, 23 e 24 de Outubro de 2015
ORQUESTRA SINFÔNICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
VALENTINA PELEGGI regente
Toru TAKEMITSU
Spirit Garden
3, 4 e 5 de Dezembro
ORQUESTRA SINFÔNICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CELSO ANTUNES regente
BERTRAND CHAMAYOU piano
Toru TAKEMITSU
A Flock Descends Into The Pentagonal Garden