A história é verídica e pouco conhecida. Charles Chaplin, no auge de sua carreira, acolheu um imigrante japonês que trabalhou por mais de 17 anos como seu secretário particular.
Olha só que história impressionante.
O imigrante japonês Toraichi Kono (高野虎市), então com 30 anos, candidatou-se a uma vaga de motorista do já então célebre ator e diretor de cinema, Charles Chaplin, em 1916. Selecionado, tornou-se seu braço direito pessoal, a ponto de Chaplin admitir que Kono era um Sexta-Feira para ele, em alusão ao ajudante de Robinson Crusoé. Kono trabalhou 17 anos ininterruptos para Chaplin, chegando até a fazer uma pontinha no filme “O Aventureiro” (1917). Mas o que mais Chaplin admirou em Kono eram a sua dedicação e discrição, características que ele creditou também aos imigrantes japoneses de então. Chaplin chegou a compor toda a sua equipe de 17 serviçais exclusivamente com japoneses, liderados por Kono. Lita Grey, a segunda esposa de Chaplin dizia, encantada, que parecia viver no Japão. Kono era o mordomo, motorista, secretário geral para seus assuntos pessoais e o seu assessor direto, cuja função, entre tantas outras, era vetar o assédio de interesseiros, incluindo aí os familiares de Chaplin à procura de um naco de fama e dinheiro.
A longa carreira de Kono junto a Chaplin foi interrompida em 1934, quando se indispôs com a atriz Paulette Goddard, terceira esposa de Chaplin, conhecida por seus caprichos e extravagâncias. Chaplin acabou cedendo a Paulette, o que magoou profundamente Kono. Apesar de Chaplin ter insistido, por muito tempo, para que Kono voltasse ao cargo, este não aceitou a oferta. O orgulho nipônico parecia falar mais alto do que a excepcional trajetória de um imigrante japonês acidental. Quando percebeu que a decisão de Kono era irreversível, Chaplin teria enviado uma grande soma em dinheiro a título de indenização a Kono, além de reservar o cargo de gerente da recém inaugurada representação da United Artists em Tokyo para Kono.
Mas o destino reservara uma fase trágica para Kono. Ao retornar aos Estados Unidos, em 1941, é preso sob suspeita de espionagem, num momento tenso que antecedia a entrada do Japão na Guerra do Pacífico. Mantido num campo de concentração para japoneses, em Kooskia, Idaho, só saiu de lá em1946. Não há registro de que Kono tenha se valido dos fortes laços com Chaplin para gozar de privilégios. O orgulho ainda estaria pesando forte e latente? Porém, o mesmo destino que tolhia a liberdade de contribuir para o bom intercâmbio do Japão com os Estados Unidos (Kono era na época, vice-diretor da delegação japonesa para o torneio de amizade de Soft Ball entre os dois países), teria lhe poupado de outra tragédia. Enquanto Kono era mantido no campo de concentração, era lançada a Bomba Atômica em Hiroshima, terra natal de Kono. Caso continuasse no Japão durante a Guerra, seria bastante provável que Kono tivesse sido mais uma das vítimas do ataque nuclear.
Já na terceira idade, Kono retorna ao Japão e casa-se com Tomie Higashijima, com quem vive seus derradeiros anos, até falecer em 1971. Por intermédio da viúva, um fantástico baú de fotografias, cartas e confidências foi mostrado ao público, pela primeira vez, na exposição “Chaplin Meets Japan: From the Collection of Toraichi Kono, Charles Chaplin’s Secretary”, que aconteceu no Japão, de outubro a dezembro de 2007. O ator nipo-americano Clyde Kusatsu (“Adeus a Manzanar”) encabeça o projeto do documentário “Kono: Living in Silence”, ora em fase de produção. Veja aqui uma apresentação do projeto.
Ah, detalhe importante! A famosa bengala que Chaplin usou em seus filmes, – vejam só – era produto made in Japan ! O bambu extraído em Shiga tinha uma elasticidade que suportava as mais célebres estripulias do eterno vagabundo que continua encantando multidões em plena era da TV Digital e do cinema 3D.
Fotos: Arquivo Família Kono