
Sua visão da cidade foi configurada certamente pelo curso de arquitetura, mas seu olhar vai muito além das formas das construções: permeia pelas sombras, algumas lânguidas, que os edifícios deixam cair sobre as avenidas, ou somente pelos seus contornos, que parecem recortar o céu urbano. Uma poética paralela à arquitetura se instaura nas fotografias de Cristiano Mascaro. Uma outra cidade se descortina como miragem nos registros deste poeta da imagem. Assim como descreveu Italo Calvino, em “Cidades Invisíveis”.

Mas nem só as cidades e skylines habitam a agenda de Mascaro. Em 2008, a convite da São Paulo Fashion Week e da Revista Mag, Mascaro registrou cenas de uma Tokyo impermanente, fluida, fugidia e orgânica, um ensaio bem diferente da sua linguagem mirando a arquitetura. Era o ano do centenário da imigração japonesa no Brasil, e a Revista Mag preparava uma edição especial sobre a capital japonesa.





Já em 2009 era lançado o livro “Jun Sakamoto: o virtuose do sushi” (Editora Bei), que traz um magistral ensaio fotográfico em preto-e-branco, percorrendo o dia a dia do célebre sushiman, em São Paulo e no Japão. Foram selecionadas 55 imagens, todas captadas por sua Leica alemã e filmes Kodak Tri-X, com luz natural, sem aparatos de iluminação e aqueles rebatedores de luz que transformam uma sessão de fotografia em espetáculo. “Tudo com discrição, sem invadir o restaurante e a intimidade dos frequentadores”, justifica Mascaro.


E ultimamente, suas fotos já não habitam apenas o papel fotográfico e começam a se infiltrar em novos suportes. Como nas roupas criadas pela sua esposa, Satiko, e sua filha Isabel, ambas também arquitetas, que juntas abriram a loja ateliê Satiko+Isabel onde criam padronagens e linhas exclusivas de vestuário feminino, sem seguir modismos. Um dos padrões foi uma aplicação da famosa foto da escada helicoidal do Palácio do Itamaraty em Brasília, que Mascaro fotografou magistralmente.

Um projeto, que também é uma surpresa, e que Mascaro aguarda com ansiedade, é a conclusão de seu novo atelier. Projetado pela outra filha, também arquiteta, Teresa, ela foi totalmente concebida em estrutura metálica, com fechamentos em steel frame, um sistema que usa montantes verticais de aço com placas de cimento parafusadas do lado externo e drywall, do lado interno. No recheio, lã de rocha, que dá conforto térmico e acústico.

O projeto foi implantado no mesmo terreno em que as irmãs Teresa e Isabel e o irmão brincavam quando pequenos. Teresa confessa que não é fácil a missão de projetar para o pai, sobretudo a carga de responsabilidade que sente em corresponder à confiança que Cristiano depositou na competência da filha como arquiteta, aliada à vontade afetiva da filha, de proporcionar ao pai, o melhor atelier que ele já teve. Um atelier que será uma fábrica de imagens, de luzes e sombras que se entrelaçam e continuarão encantando nosso olhar.
Reproduzimos aqui uma das melhores interpretações do trabalho de Cristiano Mascaro, escrito pelo crítico e pesquisador Agnaldo Farias.
Fotografar como caminhar
Agnaldo Farias
2009
“Por um bom tempo orgulhei-me de possuir todas as paisagens possíveis”
Rimbaud

Cristiano Mascaro caminha pelas cidades com seu equipamento, câmara e tripé,observando, espreitando, esperando, procurando não sabe bem o quê, até que finalmente encontra: a silhueta monumental de uma construção isolada num arrabalde qualquer, as sombras longas largadas por carros e caminhões que, vistos do alto do viaduto, vão em fila desaparecendo na rodovia, o ritmo miúdo e sincopado das luzes se acendendo no anoitecer da metrópole transformando-a numa maquete, a névoa de poluição que faz da paisagem do aglomerado acidentado e cinza de prédios um mosaico, entre tantas outras imagens das quais agora, na Galeria Nara Roesler, ele nos apresenta apenas uma pequena parcela, tornada menor ainda por se limitar a ângulos de cidades, frações fascinantes pertencentes a lugares variados, muitos dos quais passamos todos os dias mas sem reparar, porque nunca estamos atentos e porque aquilo que vemos do interior de carros e ônibus é muito diverso do que se vê caminhando. O ato de caminhar consiste no método de Cristiano Mascaro, o meio pelo qual ele experimenta, vivencia a cidade, percebe-a em seu próprio corpo, conhece-a a fundo, pressentindo os momentos exatos em que alguns de seus segredos se revelam, o que inclui situações atmosféricas precisas, decorrentes da conjunção entre hora e luz exatas, e que tanto pode ser com o céu nublado ou de noite ou depois da chuva, quanto com o sol a pino; os momentos agudos em que a cidade, a maneira de uma retribuição, abre-se para o fotógrafo, enquanto que para nós, indiferentes, ela prefere manter-se como enigma.

Nosso fotógrafo peregrina pelas cidades do mundo, qualquer seja ela, de metrópoles a pequenas cidades mortas, ou simplesmente para o centro de São Paulo, cidade inesgotável como as outras mas na qual ele cresceu, estudou e trabalha, embora há muitos anos prefira viver num sítio retirado próximo a ela. Essa prática ambulatória exige muita paciência. Como exemplo disso, vale lembrar o longo período em que ele, interessado nos cânions existentes na região central de São Paulo, foi se hospedando semanalmente em hotéis diferentes, uma a duas noites em cada um deles. A ideia era menos pesquisar suas imediações, tomar intimidade com elas, do que conferir a paisagem entrevista em suas coberturas e janelas mais altas, as ravinas estreitas e abissais produzidas pelos edifícios, margens escarpadas dos rios secos das ruas por onde escorre o tráfego perpétuo do cardume de carros.

O deslocamento vertical é um dos vetores preferenciais da movimentação de Cristiano Mascaro, uma exploração minuciosa dos pontos de vistas oferecidos pela infinidade de ruas e edificações construídas em obediência às variações próprias dos terrenos em que estão assentados, além daqueles mais artificiais, existentes graças às retificações abruptas, as movimentações de terra radicais, como as retificações que “endireitam” o desenho sinuoso dos rios. O resultado disso se traduz desde as imagens monumentais em que empenas de prédios e casarios são capturados de baixo para cima,impondo-se a nós, até as imagens vertiginosas que se descotinam das cotas mais altas, dos topos dos arranha-céus, e que, convertidas em foto, obtêm o curioso efeito de miniaturizarem o mundo. No meio disso há aquilo que se vê quando se atravessa passagens e pontes mais ou menos elevadas, o horizonte emparedado por prédios, o trem do metrô mergulhando no coração nublado da megalópole, o efeito ascensional obtido na fachada do edifício de escritório, desencadeado pelo intervalo regular das faixas escuras das lajes em contraposição aos feixes paralelos e verticais das lâmpadas fluorescentes.

O corpo do fotógrafo é um poderoso aliado no escrutínio do corpo da cidade. Caminhando ele avança por suas frestas e interstícios, até o ponto das imagens claustrofóbicas de paredes e muros, e afasta-se aos limites, às bordas das cidade, às linhas tênues que as separam da natureza.
