Cozinha japonesa e vinho: um amor possível

Harmonia de texturas e sabores para iniciar a primavera.


Harmonização no Rangetsu: quebrando tabus.

 

O que parecia impossível tornou-se viável, e mais do que isso, surpreendentemente harmonizado. A culinária japonesa, com forte destaque para o frescor dos peixes tinha tudo para não se dar bem com os vinhos, especialmente os tintos encorpados. Mas a iniciativa inédita que acontecerá no Restaurante Rangetsu, em São Paulo, prova que este casamento pode dar certo. Para isso, alguns quesitos são necessários: uma boa parceria A&B, e dos dois a vontade de quebrar tabus.  Tudo na base da razão e sensibilidade.

Jojoscope foi convocado para degustar essa experiência. Fomos recebidos pelo sempre atencioso manager Tomoaki Akamine, que nos conduziu até o balcão de sushi. Confesso que este balcão do Rangetsu nunca foi atrativo, devido ao seu ar ligeiramente burocrático. Mas neste dia, tudo parecia diferente, a começar pela energia pulsante que emanava por detrás do balcão. E há um ar de renovação mesmo. Está assumindo a gerência da casa, Cássio Ikegami, que respondia pela cozinha, e agora se expõe mais neste balcão e no atendimento da clientela. E para comandar os sushis, Eijiro Yazaki, que vem mostrar o seu talento, já elogiado pela Paladar Estadão e a Veja São Paulo.

Bons sinais. A companhia desta degustação não poderia ser mais agradável: Geovanini Neves, representando e sommelier da Ravin, importadora de vinhos, e proponente desta alquimia que teríamos pela frente, e a jornalista Inês Garçoni, da Revista Poder.

A sequência de degustação

Geovanini inicia sua explicação desta degustação, que vai focar na harmonização dos pratos com espumante, vinhos branco, rosé e tinto, finalizado com chá. E avisou: a sequência dos vinhos não obedeceria a uma lógica cartesiana, crescendo em intensidade com a sequência dos pratos.

Com a expectativa potencializada após esta prévia, iniciou-se então, sem demagogias, a sequência de alquimias.

Entradas: três receitas, na companhia do espumante Viña Maipo

É comum no Rangetsu um couvert, com três pratos, que é chamado de Santen-Mori. No dia, salada de legumes avinagrados, e um destaque para o aguê (tofu frito) com alga hijiki, cozido num leve caldo de dashi e flocos de peixe bonito. Para acompanhar, uma taça de espumante Viña Maipo, do Chile. As entradas leves casam bem com o frescor do espumante, 40% Chardonnay, 40% Riesling e 20% Chenin Blanc. Elegante, delicado, próprio para iniciar a refeição. O frescor se acentua com a sua coloração amarelo palha com reflexos esverdeados, ressaltados pela boa iluminação do balcão. A ostra a milanesa respondeu muito bem a esta parceria com o espumante. A maionese, que a acompanha, pareceu dispensável.

La Capra Pinotage, escoltando a seleção de sashimi.

Geovanini vai apresentando o vinho seguinte, um vinho rose La Capra Pinotage (África do Sul), 100% Pinotage, com aroma intenso de frutas vermelhas, com especial toque de framboesa. Sua cor vibrante dá a adequada cobertura para o prato seguinte, uma sequencia de belos cortes de sashimi, iniciando com três ótimas fatias de chutoro, o atum meio gordo, a porção premium deste peixe. O outro peixe apresentado pelo chef Yazaki foi um enrolado de garoupa, escoltado com molho ponzu. O chutoro fez bonito com o rosé. Ambos se equilibram na textura e na delicadeza. O rosé chega a brigar com o shoyu Yamasa, excessivamente denso para o sashimi apresentado. Sugeriria ao chef trocar o shoyu por um usukuchi, mais leve e claro, para uma melhor harmonização. A última fatia de chutoro foi apreciada sem o shoyu, na companhia apenas da folha de shisô, que se harmonizou melhor com o La Capra. O salmão envolto com nabo, banhado no molho sanbaizu (uma combinação de shoyu, vinagre e mirim) estava perfeito.

Aguê e mostarda: trivial, mas especial.

O prato seguinte, apesar de sua simplicidade, mereceu especial destaque. Um nimono, cozido, de aguê (tofu frito), com folhas de mostarda karashiná, em caldo dashi. Uma leveza impressionante, mas com a densidade reforçada pelo tênue amargor da folha de mostarda, que se infiltra no aguê. Continuamos com o La Capra, que respondeu bem a este prato.

Tempurá com tinto Pinot Noir !

Em seguida, o chef nos apresenta uma seleção de tempurá, levíssimo e crocante, de frutos do mar. Camarões, com gergelim, peixe branco com broto de bambu e ameixa umê em conserva, e folha de shissô, todas sequinhas. Geovanini abre então o vinho tinto Marichal Pinot Noir (Uruguai), 100% Pinot Noir, um vinho de aroma acentuado, com taninos suaves, e um interessante retrogosto, que nos remete a toques de madeira. A vinícola da Bodega Marichal tem uma característica interessante: ela se situa a 25 km do Atlântico e seus vinhedos são banhados pela brisa do mar. Os tempurás são escoltados por uma pitada de sal com wasabi em pó, ao invés do tradicional caldo. Assim, a crocância se mantém preservada.

Levíssimos sushis, na boa companhia do branco Zuccardi Torrontés

Para o gran finale foi reservada uma sequência de seis sushis, que se harmonizaram brilhantemente com o vinho branco Zuccardi Torrontés (Argentina), 100% Torrontés. Vinho delicado e de personalidade marcante, exala odores de flor e fruta branca madura e cítricos. Quanto aos sushis, merecem destaque o de robalo prensado. O de sardinha foi uma agradável surpresa. O odor característico e forte da sardinha foi exorcizado com água e sal, “uma questão de segundos”, segundo o chef Yazaki. A sardinha em questão é o katakuchi iwashi, considerada pelos gourmets, a de categoria superior.

Gelatina de kanten para a sobremesa.

Finalizando, uma gelatina de kanten (ágar-ágar), com pedaços de melão. Para acompanhar, nada mais comfort do que um bom chá verde.

Esta experiência degustativa será oferecida apenas em quatro dias de outubro: 10, 11, 17 e 18, e o pior, apenas para sete comensais de cada vez. Isto devido ao tamanho do balcão, e da atenciosa monitoria que Geovanini promete  oferecer em todos estes dias. O valor da imersão é de R$ 130,00 a R$ 160,00 dependendo dos pratos e apenas nestes 4 dias, a harmonização será oferecida gratuitamente. Nos outros dias, a degustação apenas dos pratos continua, com o mesmo preço, mas com os vinhos cobrados à parte.

Jojoscope avalia o sushi do chef Eijiro Yazaki como uma grande novidade no cenário, até então unanimemente dominado por Jun Sakamoto. Provamos o seu shari (bolinho de arroz) sozinho. Embora feito com o arroz Mirokumai produzido no Uruguai, ele mostrou um cozimento perfeito, com boa consistência e principalmente, com a temperatura mais adequada para o sushi, levemente morna, à temperatura da boca. O shari se espalha no céu da boca, e deixa escapar aquela sensação agradável do bom vinagre.

Uma sagração da primavera, esta degustação.

SERVIÇO

Restaurante Rangetsu Avenida Rebouças, 1.394 – Pinheiros

Telefones: 11-3085-6915 e 3085-7946

Capacidade: 100 lugares

Segunda a sexta, das 12h às 14h30 e 18h30 às 23h; sábado, das 18h30 às 23h

Cartões: AE/D/M/V

Estacionamento com manobrista (R$ 10,00 somente no jantar)

 

 

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