Pouco difundida no Brasil, a culinária shôjin é a tradicional refeição vegetariana japonesa. Por aqui, as opções vegetarianas em restaurantes japoneses beiram a uma “festa do caqui” literalmente. Já vimos estabelecimentos servindo fatias de frutas, denominando-as como “sashimi vegetariano”. Convenhamos, é no mínimo uma sugestão preguiçosa e desrespeitosa com a verdadeira culinária vegetariana japonesa, que atravessou séculos para se aprimorar e se consolidar. É possível que seja falta de conhecimento, mas um pouco de pesquisa é bem vinda em qualquer gastronomia. É importante frisar que a cozinha vegetariana e vegana japonesa não é um modismo que foi criada agora, para atender um novo perfil de público que vem crescendo, procurando opções de alimentação sustentável.
Vamos então falar um pouco sobre o Shôjin Ryôri (精進料理), a cozinha vegetariana japonesa. Na verdade, a tradição (como quase tudo no Japão) foi herdada dos chineses. Mais precisamente dos monges budistas. Jovens monges que iam estudar o Budismo na China, retornavam com esta novidade para o Japão. Isso por volta do século VI, mas difundiu-se pra valer a partir do século XIII, com a propagação do zen-budismo. Quem explica isso é Toshio Tanahashi, um dos maiores especialistas em Shôjin Ryori no Japão.
Shôjin é uma palavra do Budismo e significa “dedicar-se ao aprendizado dos caminhos de Buda”. Neste processo inclui-se também a relação com os alimentos. O apetite, que é um dos desejos vitais do Homem, é saciado com a matança e o preparo de outros seres vivos. Nos ensinamentos budistas, existem premissas fundamentais como:
– Não matar os animais
– Não estimular os desejos do corpo e do espírito
O Shôjin Ryôri organiza estas premissas da seguinte forma: Purificar corpo e alma, contendo os impulsos. Não se alimentar de carnes animais, somente de plantas. Essa alimentação de plantas é chamado de Saishoku 菜食, base do Shôjin Ryori.
Preparar o Shôjin Ryori tem também um significado importante para os monges, para assimilar a importância da vida. No Japão, o Shôjin Ryori é oferecido para o altar, em solenidades fúnebres ou no dia de Finados.
Os dois tabus do Budismo
San-en 三厭: alimentar-se de insumos de origem animal.
Go-kun 五葷: consumir vegetais com cheiro forte, como a cebolinha, lakyo, alho, cebola e nira.
As proteínas na culinária Shôjin
Carnes de origem animal incluindo peixe, e também ovo, são proibidos na culinária Shôjin. Mas os músculos do corpo humano são feitos de proteínas. Por isso, os adeptos dessa culinária recorrem à proteína vegetal, como o tofu e o yuba (nata do tofu).
E quais são os insumos da culinária Shôjin?
Verduras e legumes em geral, cogumelos, tofu, konjac (em forma de macarrão ou massa), sementes e raízes comestíveis.
A história do Shôjin Ryori
Essa culinária não é original do Japão. Ela foi trazida para o Japão através dos monges budistas que iam estudar na China. Há shôjin ryori em Taiwan, Hong Kong, Coréia do Sul, cada uma com suas características próprias.
Até a era Heian (794~1185) os japoneses se alimentavam de peixes e aves. Já na era Kamakura (1185-1333), com a disseminação do zen-budismo, os japoneses consolidam a dieta vegetariana. A cozinha Shôjin foi se aperfeiçoando, inclusive nos temperos, com a adição do missô (a pasta de soja fermentada) e outros condimentos. Também foram incorporados utensílios próprios para o Shôjin Ryori, como o Suribachi, uma tigela de cerâmica própria para triturar e ralar sementes e grãos.
Já na era Muromachi (1333-1568) houve a disseminação do zen-budismo, especialmente da escola Soto Zenshu, que apregoava que todos os atos do cotidiano fazem parte do aprimoramento espiritual. Nisso se incluía o preparo dos alimentos e o ato de comer. Foi aqui que se consolidou a ideia de que um bom cozinheiro é também um eterno aprendiz.
No período Momoyama (1568-1600) foram introduzidos os conceitos da cerimônia do chá, com sua estética ritualística. O princípio do Kaiseki Ryori tem sua origem neste período, juntamente com o conceito de Wabi-Sabi, de refinamento pela simplicidade e pelo efêmero, e o padrão Omotenashi de hospitalidade. Foi dentro deste universo estético que a culinária japonesa passou a valorizar os ingredientes da estação.
No período Edo (1600-1868) a culinária Shôjin ficou mais encorpada, com a introdução do óleo de gergelim e passa a ser chamada também de Fucha Ryori 普茶料理. Além disso, disseminou-se a sua qualidade terapêutica, incorporando princípios da medicina chinesa.
Os cinco elementos
Todos as refeições são pensadas para englobar esses 5 princípios.
– 5 gostos: doce, salgado, azedo, amargo e apimentado (na época, o umami ainda não havia sido qualificado como gosto).
– 5 sentidos: visão, olfato, paladar, tato e audição
– 5 cores: branco (da farinha), vermelho (do feijão azuki), amarelo (representando as raízes e tubérculos), preto (dos cogumelos e algas) e verde (das verduras e frutas).
– 5 tipos de preparação: grelhado, cozido, frito, ao vapor e fresco ou cru
– 5 pontos de adequação: temperatura adequada, ingredientes adequados, quantidade adequada, técnicas adequadas e hospitalidade adequada (aqui entra o “kokoro”: fazer e oferecer com o coração no lugar e com o sentimento adequado)
Segundo a chef Telma Shiraishi, a filosofia budista contempla 5 elementos: terra, água, fogo, ar e o vazio. E o mesmo número 5 é considerado místico, com muitos conceitos importantes baseados nele. E o mesmo número 5 é considerado místico, com muitos conceitos importantes baseados nele. A sua presença é notavelmente marcante nos princípios que regem a culinária tradicional japonesa.“Na cozinha percebemos o poder dos cinco elementos representados nos alimentos e nas transformações que fazemos. E é através de cinco princípios que norteiam a culinária japonesa que expressamos nossas habilidades e entendimentos, oferecendo o nosso melhor em uma refeição e buscando a harmonia, a variedade e o equilíbrio”, conta a chef. E é através de cinco princípios que norteiam a culinária japonesa que expressamos nossas habilidades e entendimentos, oferecendo o nosso melhor em uma refeição e buscando a harmonia, a variedade e o equilíbrio”, conta a chef.
O caldo dashi na culinária Shôjin
Como é proibido o uso de insumos de origem animal, era preciso encontrar um substituto para os flocos de katsuo, o peixe bonito seco, a fonte para extrair o dashi tradicional. O caldo dashi da culinária Shôjin utiliza cogumelo shitake, alga kombu e soja. Esta combinação é poderosa na produção do umami, o quinto gosto do paladar humano. Se quiser um pouco de doçura pode-se utilizar kampyô, que são tiras de abóbora desidratada.Na cesta da foto temos: shiitake, alga kombu, kampyo desidratados e soja.
O Saishoku Omakasê da chef Telma Shiraishi
A chef aposta em novas apresentações de seu omakase, inovando com a adição de menus veganos e vegetarianos inspirados no shojin ryori. “A prática budista evita qualquer tipo de violência contra outras formas de vida, portanto carnes e peixes não entram no menu. Os sabores concentram-se em vegetais, cogumelos e algas, seguindo o ritmo das estações e dos produtos locais”, conta Telma. Por isso também os pratos do menu não são fixos, variando conforme os ingredientes que o seu círculo de pequenos produtores e fornecedores orgânicos e artesanais, trazem para o restaurante a cada dia.
O foco da chef em sugestões vegetarianas e veganas refletem sua busca por um futuro mais sustentável e por soluções que diminuam a pressão sobre a cadeia de pescados e sobre a criação extensiva de animais para consumo. “Sempre privilegiamos no Aizomê carnes, peixes e frutos do mar de manejo sustentável e responsável. Mas queremos dar mais um passo e aumentar o nosso compromisso com a sustentabilidade. A nossa saúde, a saúde do planeta e o futuro de todos, valorizando de forma mais ampla e inclusiva todo o reino vegetal, explorando mais possibilidades e a imensa variedade de cogumelos e algas que ainda é pouco conhecida”, complementa a chef.
O menu degustação – em 5 ou 7 etapas, no mesmo formato das sugestões de omakase que a casa já oferece, também transita por preparações quentes e frias, incluindo sushis e sobremesas.
Ficaram sem foto: o creme de tupinambo e alcachofra, servido em cálice e a sobremesa, um wagashi (doce japonês, sem adição de leite) chamado Kôyô Gari, ou colheita de folhas de outono, em alusão a esta estação.
O cardápio de outono / inverno também contemplará mais opções vegetarianas e veganas em seu menu fixo sazonal.
O Saishoku omakase (menu degustação vegetariano e vegano) custa R$ 250 (em cinco etapas) ou R$ 290 (em sete etapas). Os insumos variam de acordo com a sazonalidade e disponibilidade no mercado.
SERVIÇO
Endereço: Aizomê Jardins – Al. Fernão Cardim, 39 – Jardim Paulista São Paulo, SP
Funcionamento: almoço de segunda a domingo, das 11h30 às 14h30 e jantar, de segunda a sábado, das 18h às 22h.
Reservas: TagMe e pelo telefone (11) 2222-1176 ou whatsapp (11) 97247- 3862
Sobre o AIZOMÊ
Com unidade no bairro dos Jardins e também no centro cultural Japan House São Paulo, o Aizomê tem uma culinária japonesa consistente, baseada no respeito às técnicas tradicionais com toques autorais da chef e aliada ao omotenashi – o melhor da hospitalidade japonesa.
O menu, com pratos equilibrados entre receitas quentes e frias, é fundamentado na busca da chef e proprietária Telma Shiraishi pelos melhores ingredientes do campo e do mar e o cultivo de um círculo seleto de produtores, fornecedores e parceiros.
O conjunto da obra rendeu à chef, que também está à frente da cozinha do Consulado do Japão em São Paulo, o título de Embaixadora para Difusão da Cultura e Culinária Japonesa, concedido pelo governo japonês. Telma é a primeira profissional brasileira e uma das raras mulheres no mundo a receber a honraria.
O reconhecimento de seu trabalho também rende prêmios da mídia especializada. Sob sua batuta, o Aizomê foi eleito, por três anos consecutivos, melhor restaurante japonês pelo Melhor de São Paulo, guia especial do jornal Folha de S. Paulo, e a própria Telma escolhida como chef do ano de 2019 pelo mesmo júri – aqui também, a primeira mulher da história do veículo a carregar o título.
Em 2021, a chef foi finalista no Latin America’s 50 Best Restaurants 2021, na categoria Estrella Damm Chefs’ Choice Award – Best Reinvention, por ter concretizado um novo Aizomê na Japan House São Paulo e por encabeçar o projeto social Água no Feijão, que já distribuiu mais de 100.000 marmitas desde a quarentena de 2020.