TasteAtlas: você confia?

É época de listas dos 100 melhores do mundo nas mais variadas áreas e na gastronomia, então, nem se fala.

No final de 2022, o TasteAtlas publicou uma lista de 100 Melhores Comidas do Mundo, que muitos blogueiros e até a grande imprensa republicaram eufóricos, especialmente por causa do segundo lugar para a Picanha brasileira. Em seu site, o TasteAtlas se intitula “uma enciclopédia de sabores, um atlas mundial de pratos tradicionais, ingredientes locais e restaurantes autênticos“. Segundo ele, já foram catalogados 10.000 alimentos e bebidas do “mundo inteiro”.

 

Clique no mapa para ver a classificação das Melhores Comidas do Mundo segundo o TasteAtlas.

Apesar do entusiasmo com que o resultado de 2022 está sendo veiculado, é preciso observar que tipo de pesquisa o TasteAtlas desenvolve. Jojoscope fez uma rápida averiguação e constatou que esta plataforma foi criada em 2018, na Bulgária, por um empresário croata e é composta por uma pequena equipe de 30 pesquisadores que se ocupam em catalogar mais de 5.000 comidas tradicionais do mundo. A pesquisa não é presencial, ou seja, os pesquisadores não vão a campo experimentar os pratos que divulgam, como no caso do Guia Michelin, e se baseiam em resenhas de críticos gastronômicos, recomendações de profissionais e popularidade na pesquisa pelo Google. Surgem daí, provavelmente, as grandes distorções nessa pesquisa.

Apesar de se proporem a ser um Atlas Mundial de Comida, não há nenhuma referência para o Continente Africano, bem como Oceania, Austrália e Nova Zelândia inclusas. Tampouco se pesquisou a culinária russa. Onde estão o Borscht, o Blini, o Pelmeni, e claro, o Stroganov, um dos pratos mais queridos até no Brasil, que aqui é mais conhecido como Strogonoff?

Pelo menos a versão de 2022 corrigiu um erro grosseiro que aconteceu nas versões anteriores: misturar pratos salgados, doces e molhos na mesma comparação.

Na edição de 2022, o campeão na lista das 100 Melhores Comidas Tradicionais foi o Karê (Curry) do Japão, que é bem diferente do Curry indiano. É verdade que o Karê é um dos pratos mais populares no Japão. Só de restaurantes especializados em Karê foram catalogados 2.598 casas em funcionamento em 2022, segundo a agência NTT. Considerando que o Karê é servido também em cafeterias, lanchonetes de department stores e restaurantes familiares, em versões mais genéricas,  é de se supor que esse número chegue a dez vezes mais. O Karê recomendado pelo TasteAtlas é de um restaurante chamado Soup Curry & Dining Suage, cuja matriz fica em Sapporo e ostenta só nesta cidade, mais 4 filiais. A casa é especializada não no Karê tradicional, mas no Soup Karê, uma versão ensopada do prato. O mais incrível é que o TasteAtlas alavanca este restaurante com base em apenas 4 recomendações. Checamos a avaliação de frequentadores pelo TripAdvisor: nota 3, ou seja, nada excepcional. Há centenas de ótimas casas especializadas em karê no Japão que mereceriam mais destaque.

Karê: o melhor prato tradicional do mundo, segundo o TasteAtlas. foto: Canva

Outro problema na contagem dos pratos: o karê aparece em primeiro lugar e também em 11º lugar, sem mencionar qual foi o critério adotado para separá-los.

O Japão comparece com um grande número de pratos, entre os 100 melhores. Foram listados 12 pratos! Mas na lista estão Shoyu Ramen, Shio Ramen, Misso Ramen que na verdade são sub-categorias do Ramen. Por que separá-los? O mesmo acontece com as pizzas. Há cinco tipos de pizza listados separadamente: Marguerita, Presunto e Funghi, 4 queijos e somente funghi, além do Alla Diavolla. Aqui também não há menção sobre as razões técnicas destas distinções.

No caso do Brasil a desconfiança cresce ainda mais. Em segundo lugar ficou a Picanha. Mas convenhamos, picanha é uma peça de carne bovina. Estamos falando de Comidas Tradicionais, que requerem um preparo com saberes tradicionais. E nem tradicional ela é. A picanha começou a ser separada da alcatra em 1960 pelo imigrante húngaro László Wessel e se popularizou nos espetos corridos por volta de 1980. E pelo preço que está a carne bovina, em especial estes cortes nobres como a Picanha, ela não tem vocação para se tornar popular. O Brasil comparece na lista dos 100 com mais 3 pratos: a vaca atolada, a moqueca e o feijão tropeiro. São pratos regionais representativos, sim, mas cadê a Feijoada, paixão nacional de norte a sul, respeitada no mundo inteiro como o prato que carrega a identidade do Brasil? E com relação à Moqueca, é à Baiana ou Capixaba? Há uma grande diferença no tempero entre as duas e se for seguir o mesmo preciosismo do ramen, isto deveria ser especificado.

Picanha: eleita pelo TasteAtlas, a segunda melhor comida tradicional do mundo. Foto: Canva

Apesar da grande quantidade de pratos do Japão incluídos nesta lista, o país parece não dar muita relevância a esta plataforma e a mídia japonesa nem chegou a comemorar o primeiro lugar. A Tabi Labo, um site dedicado a viagem e gastronomia, diz sobre o TasteAtlas: “consulte sem compromisso, se tiver tempo sobrando”.

Quanto aos restaurantes recomendados, chequem por si mesmos e tirem as suas conclusões. Não sou especialista em culinária brasileira, mas o Coco Bambu, indicado para comer a melhor Moqueca no Brasil, é realmente uma indicação confiável?

Enfim, a nosso ver, o TasteAtlas não divulga de modo transparente as suas metodologias de pesquisa, baseando-se em comentários genéricos de visitantes de restaurantes e no caso dos críticos e especialistas gastronômicos, o TasteAtlas não nomeia quem são, o que gera uma natural desconfiança pelas informações publicadas.

 

 

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