Jovem, individualista e japonês

Jovem, individualista e japonês

Extraido da Folha de S. Paulo, 13 de Outubro de 2012

 

Jovens ainda preservam tradições, mas agora com outro olhar. Foto: Mika Takahashi

Muita gente pensa no Japão como uma sociedade coletivista, na qual o interesse do grupo prevalece sempre sobre o do indivíduo.

Um lugar onde as hierarquias são rígidas e não se faz nada que ameace a harmonia social. Um país em que a originalidade é vista como comportamento dissonante, condenável e reprimido.

Isolados em seu arquipélago, os japoneses habituaram-se historicamente a identificar o diferente como ameaça. No imaginário local, a presença do estrangeiro acabou associando-se à ideia de intervenção, contra a qual o espírito coletivo servia como instrumento de defesa.

Servia, também, como estratégia de sobrevivência diante das catástrofes naturais às quais o país sempre esteve sujeito. No Japão, aprendeu-se logo que a união faz a força.

O caráter coletivista operou maravilhas em termos de crescimento econômico e funcionalidade social e foi decisivo para a consolidação do país como potência depois da Segunda Guerra Mundial.

No entanto, essa estrutura coesa e homogênea parece não corresponder mais ao que os jovens japoneses desejam para si. Hoje, no Japão, o individualismo floresce. E isso pode ser bom para o país.

Os japoneses com menos de 30 anos nasceram em um país próspero. Em relação às gerações que os precederam, são mais ricos, casam-se mais tarde e têm menos filhos.
São ciosos da noção de privacidade, e seu coletivismo se traduz antes em termos de civilidade pública que na repressão do diferente.

Em cerca de 15 anos, essa geração estará no comando do país. Não se sabe que tipo de destino dará à nação. Quem observa esses jovens, imersos em seus smartphones, pode imaginá-los isolados e passivos. Mas isso seria subestimá-los. Seu impulso em direção ao individualismo parece anomalia cultural, mas pode configurar também uma estratégia de sobrevivência renovada diante dos desafios impostos pela globalização.

Explico-me: a organização social japonesa tradicional, que valoriza a conformidade, tende a inibir a criatividade e a inovação, elementos decisivos na competitividade. Assim, no mundo globalizado, o individualismo da juventude aumentaria, em tese, as possibilidades do Japão no contexto mundial.

Mutações comportamentais na sociedade japonesa. Foto: Mika Takahashi

Em razão de sua situação geográfica, composição étnica e herança cultural, é provável que o país mantenha a homogeneidade como núcleo de sua identidade nacional.

Um feriado em Ginza, com inauguração de uma grande loja. Foto: Jo Takahashi

No entanto, características sociais como o coletivismo, que derivam da conjuntura histórica, devem ser revisitadas a cada geração. No Japão, nesse reexame, a supressão do individual em favor do coletivo parece ter entrado em declínio.

O que parece consolidar-se hoje entre os jovens japoneses é uma espécie de arranjo social dinâmico, que combina a articulação coletiva, necessária a um país densamente povoado e sujeito a tragédias naturais, com espaço crescente para a expressão e a originalidade, fundamentais em um mundo que precisa cada vez mais de inovação.

 

Alexandre Vidal Porto é escritor e diplomata. Mestre em direito pela Universidade Harvard, trabalhou nas embaixadas em Santiago, Cidade do México e Washington e na missão do país junto à ONU, em Nova York. Escreve aos sábados, a cada duas semanas, no caderno “Mundo”. É o atual Ministro Conselheiro da Embaixada do Brasil em Tóquio. Alexandre Porto agora assina uma coluna fixa, quinzenal, no caderno Mundo do jornal Folha de S.Paulo. Este é o primeiro artogo da série.

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