Ozu Yasujiro (1903-1963)

Hara Setsuko e Chishu Ryu em “Tokyo Monogatari”. Foto: Shochiku

Ozu Yasujiro (小津安二郎) nasceu (1903) e morreu (1963) na mesma data: 12 de dezembro. Foi um dos mais emblemáticos diretores do cinema japonês, e ficou conhecido como o “poeta da rotina”. Fez o mesmo tipo de filme em toda a sua carreira. Empregou praticamente os mesmos atores, em situações semelhantes. Mesmo assim consagrou-se como um dos cineastas mais inovadores, capaz de arrancar um documentário-homenagem de Wim Wenders. Ozu Yasujiro (1903-1963), um poeta do cotidiano, um retratista dos encantos da rotina pode ser encontrado num box de DVD com o título O Cinema de Ozu (Versátil) com cinco títulos: Era Uma Vez Em Tóquio (Tokyo Monogatari), Também Fomos Felizes (Bakushu, 1951), Era Uma Vez Um Pai (Chichi Ariki, 1942), Crepúsculo Em Tóquio (Tokyo Boshoku, 1957), Filho Único (Hitori Musuko, 1936), todas em cópias restauradas, seguindo uma onda de recuperação de clássicos que está avançando no Japão. No Japão há versões em 4K de muitos filmes incluindo Era um vez em Tóquio, sua obra prima.

Uma das características estéticas do cinema de Ozu é a câmera baixa, sempre fixa, um pouco abaixo do olhar de uma pessoa sentada no tatami. Não há efeitos, nem dramaticidades. O plano fixo é uma abertura para as sugestões, pois a câmera não dirige o olhar nem influencia opiniões. É assim em Era uma Vez em Tóquio, quando um casal que vive no interior resolve ir visitar os filhos, que moram em Tokyo. Só que a vida na cidade grande não é aquela maravilha para ninguém. Os pais se tornam um incômodo para os filhos, e a única pessoa que os acolhe com carinho é a nora viúva, aquela que não tem mais nenhum parentesco com o velho casal.

Still de “Tokyo Monogatari” (Era uma vez em Tokyo). Cortesia: Shochiku

O público precisa se acostumar com a linguagem do silêncio que permeia todos os filmes de Ozu. São as inflexões do “ma”, o espaço intervalar, denso, por vezes cruel. Em muitas ocasiões, o silêncio pode permanecer minutos, e crescer em dramaticidade explosiva sem que ninguém levante a voz. Daí o encanto revolucionário do cinema de Ozu. É um cinema que não exerce ódio, rancor, nem crítica social. Apenas aceita os fatos da rotina e do cotidiano, com a vida é.

Ozu Yasujiro Foto: Shochiku

Ozu nasceu em Tóquio, no ano em que foi inaugurada a primeira sala de cinema no Japão. Sob a formação da era Taisho (1912-1926), de espírito liberal, burguesia em ascensão, otimismo reformista, Ozu tinha uma paixão pelo debate intelectual. Por isso fugia da escola para assistir Chaplin, Pearl White, Lilian Gish e William S. Hart. Desde cedo interessou-se pela arte do cinema e pela literatura moderna. No verão de 1923 ingressa na produtora Shochiku, em Kamata, como assistente de fotografia. Assim se enturmou com diretores e roteiristas consagrados como Naruse Mikio, Uchida Tomu, Gosho Heinosuke, Noda Kogo. Mas no ano seguinte, Ozu é convocado para a reserva do Exército. Retorna ao cinema em 1926, promovido a assistente de direção. Na década de 30, quando o Japão se movia para o ultra-nacionalismo, com a economia toda voltada para a guerra e a política visar o expansionismo, Ozu começou a ser reconhecido. Seus filmes ganharam o prêmio de Melhor Filme do Ano, na votação da revista Kinema Jumpo.

 

Com a deflagração da Guerra Sino-Japonesa, Ozu é recrutado novamente e enviado à China e Ozu interrompe suas atividades no cinema, onde ele retornaria somente em 1940. O Irmão da Família Toda, realizado em 1941 recebe novamente o prêmio de Melhor Filme do Ano, pela Kinema Jumpo. Mas mais um convocação, agora para Singapura, para realizar filmes de propaganda nacionalista, interrompe suas atividades na Shochiku. Mas desta vez, Ozu resolve aproveitar o momento para assistir a filmes americanos, como Cidadão Kane, Vinhas da Ira, Rebecca, Fantasia, E o Vento Levou…, No Tempo das Diligências e Como era Verde o meu Vale, segundo seu próprio relato. Quando a Inglaterra tomou posse do país, Ozu se tornou prisioneiro de guerra e ficou num campo de concentração.
Retornou ao Japão após o fim da Segunda Guerra, e acolhido novamente na Shochiku, com sua posição consolidada. A partir daí, Ozu entra na sua melhor fase, dirigindo Pai e Filha (1949) e Era uma Vez em Tóquio (1953), sempre em parceria com o roteirista Noda Kogo.
Em 1958 recebeu prêmios do Ministério da Educação e do Imperador. Em 1959 foi o primeiro diretor de cinema a ser eleito para a Academia Nacional de Arte. Em 1963 submete-se a uma cirurgia para a retirada de um tumor maligno, seguida de radioterapia. Mas acaba morrendo na tarde de seu 60º aniversário. Suas cinzas foram depositadas no templo Engaku, em Kita-Kamakura. Na lápide, uma simples e única inscrição: Mu (無) , que significa o nada, o vazio. Uma referência à filosofia Zen budista.
Ozu era conhecido como um grande apreciador de bebida, especialmente quando escrevia os roteiros, com seu parceiro em quase todos os filmes, Noda Kogo. Via-se centenas de garrafas de uísque e saquê durante esse trabalho. Por isso, seus fãs, ainda hoje, quando visitam o túmulo de Ozu, levam garrafas de bebida, ao invés de flores.

 

Túmulo de Ozu, em um cemitério em Kita Kamakura: sempre cheio de oferendas de seus fãs, com flores e muitos saquês. Foto: redes sociais
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