Fechamento de um ciclo gastronômico: os novos rumos do Kinoshita

Premiadíssimo, Restaurante Kinoshita, perde sua estrela maior: o próprio chef  Tsuyoshi Murakami. 

O Restaurante Kinoshita da Vila Nova Conceição, em São Paulo, coleciona premiações. Eleito Melhor Restaurante Japonês pela Revista Comer e Beber da Veja  S.PauloGuia da Folha, Revista Época, por várias vezes, Chef do Ano para Tsuyoshi Murakami pela Revista Prazeres da Mesa, todos por sua cozinha e mais recentemente, defendeu por três anos consecutivos, a estrela do Guia Michelin.

Com tantas conquistas e quase uma unanimidade em matéria de excelência em alta gastronomia japonesa, o que abalou a mídia foi a repentina saída do chef Murakami de sua cozinha. A notícia foi dada pelo editor de Gastronomia da revista Veja em São Paulo, Arnaldo Lorençato.

Eles não dividem mais o mesmo balcão de sushi

O chef Tsyuoshi Murakami acaba de deixar o Kinoshita, Vila Nova Conceição, onde era sócio do restaurateur Marcelo Fernandes, desde a fundação em 2008.

A novidade vai provocar alvoroço no mundo da cozinha japonesa. Tsuyoshi Murakami não é mais titular do Kinoshita.  “Murakami não será mais o meu sócio. Mas ele está em outro momento, etapa da vida, em busca de espiritualidade. Fechamos um ciclo”, explica o restaurateur Marcelo Fernandes.

Por enquanto, o balcão, que já foi um dos mais premiados da cidade, será tocado por Marcelo Fukuya. “O chef ainda não foi decidido, mas gostaria muito de trazer um profissional do Japão”, adianta o empresário.

A novidade vai provocar alvoroço no mundo da cozinha japonesa. No entanto, no meio gastronômico, já circulavam rumores de que a união não ia bem. A grave crise econômica que assola o país repercutiu no caixa do restaurante, habituado com altas cifras na conta. O público de restaurantes migra para estabelecimentos de tíquetes mais baixos. Apesar da unanimidade sobre a qualidade de sua cozinha, o restaurante Kinoshita vivia dias apertados e esta foi uma das desavenças entre os sócios, que se cobravam mutuamente.

Após a saída do chef Murakami, a pergunta que fica é sobre a permanência do nome do restaurante. Kinoshita é o sobrenome do sogro do chef Murakami, Toshio Kinoshita. Há razões para essa dedicatória. O jovem Tsuyoshi Murakami, com passagens e experiências pela Espanha e por Tokyo, ainda era desconhecido no meio gastronômico do Brasil. Entrou no então Restaurante Kinoshita, que ficava na rua da Glória, no bairro da Liberdade em São Paulo, para dar uma mãozinha. Na época, Kinoshita era famoso por seu karê encorpado. O estágio trouxe bons frutos. Murakami se casaria com a filha do senhor Kinoshita, Suzana, excelente doceira.  O encontro com o empresário-restaurateur Marcelo Fernandes aconteceu em 2007, quando Kinoshita vivia a crise bater em suas portas, por conta da fuga da clientela para estabelecimentos mais modernos em outros bairros, como a região dos Jardins e Itaim Bibi. Às vésperas do centenário da imigração japonesa, o bairro da Liberdade vivia momentos de degradação e abandono, especialmente na rua da Glória, onde ficava o antigo Kinoshita. Fernandes, então recém-saído da sociedade do estrelado D.O.M. estava bastante aberto para acolher algumas condições de Murakami. Uma delas, de conservar o nome do sogro no novo restaurante, apesar de ele não estar mais na ativa. Todo este compromisso foi selado no balcão do antigo Kinoshita, numa noite em que Murakami confidenciou a Fernandes que teria que entregar o imóvel ao proprietário e que o velho restaurante estava com os dias contados.

Do álbum dos bons tempos: na escadaria da Embaixada do Brasil em Tokyo, em 2012. Foto: Alexandre Vidal Porto

Com a entrada de Fernandes, o Kinoshita viveu dias de glória, com uma proposta ousada. Primeiro, a localização escolhida, a Vila Nova Conceição, um bairro residencial de classe média alta mas sem tradições gastronômicas, na época. Fernandes escolheu o arquiteto Naoki Otake, pelo seu currículo de ter estudado o estilo tradicional sukiya (nada a ver com a rede de fast food). Fernandes confidenciava à época,  que tinha muitas ofertas de arquitetos famosos que ofereceram até o projeto de graça. Recusou todas e apostou no jovem e desconhecido Naoki. Acertou em cheio: uma arquitetura refinada, na forma e nas luzes (a experiência de conhecer o Kinoshita de dia e de noite é um programa recomendável). Veja aqui, o post sobre a arquitetura do Restaurante Kinoshita.

Um dos lindos pratos criados pelo chef Murakami: ubos de atum e um ovo escalfado (onsen tamago), preparado a baixa temperatura, e gema cremosa, conhecido também como ovo perfeito. Num caldo de sabor profundo de dashi. Foto: Jojoscope

Assim como na gastronomia japonesa, a culinária tem que dialogar com o seu recipiente (pratos, tigelas, pires), no Kinoshita, o grande acerto foi o diálogo entre o ritual da refeição e a ambientação arquitetônica. Tudo numa harmonização que remete a uma experimentação inesquecível. Fernandes se revelou um empresário sensível, um verdadeiro produtor artístico que viabilizou o sonho de Murakami de praticar no Brasil, a Kappo Cuisine, uma vertente da culinária japonesa onde o sabor dos ingredientes naturais é potencializado ao máximo, com o mínimo de intervenções, mas com técnicas sofisticadíssimas. A premissa da Bauhaus, “o menos é o mais”, popularizado pelo programa Master Chef Brasil. A Kappo ensina também respeitar os ingredientes da estação, de onde se obtém sempre os melhores sabores. Saberes que os  sabores nos oferecem.

Um dos últimos registros, com Marcelo Fernandes e o chef Murakami juntos. Evento Kokushu, realizado em agosto do ano passado, em São Paulo. Ao centro, a nossa produtora, Julynha Toys. Foto: Rafael Salvador

Agora, com a saída do chef Murakami, algumas dúvidas que pairam no ar, e que será o grande desafio do restaurateur Marcelo Fernandes:

  • O nome Kinoshita será conservado? Achamos difícil, pois o Kinoshita estava fortemente agregado à família do chef Murakami.
  • Quem irá comandar a cozinha que conquistou  a estrela Michelin por três anos consecutivos?
  • Murakami deixou herdeiros de seus ensinamentos? Há alguém realmente qualificado na atual cozinha que possa dar um rumo a esta nova fase?
    Marcelo Fernandes já declarou que pretende trazer um chef do Japão. Esta pode ser uma saída diferente, mas que vai exigir um esforço monumental de logística e produção para aclimatar o chef em solo brasileiro.
  • A crise brasileira, que parece não ter fim, ainda continua. Como o restaurante pretende se adaptar a estes novos tempos?
  • Há uma demanda por preços menores no cardápio. Como conciliar a tradição da alta gastronomia praticada pelo Kinoshita, com estas novas expectativas do mercado?

Certamente, vai exigir do restaurateur Marcelo Fernandes muita criatividade para solucionar esta situação a curto prazo. Homem de visão, ele saberá convocar a sua inventividade para propor algo novo no mercado gastronômico. E quanto ao chef Tsuyoshi Murakami, estaremos acompanhando seus novos passos. Desejamos vê-lo feliz, de novo, cantando por trás do balcão, o refrão de “My Way”, e talvez agora, até se acompanhando do piano, que ele estava começando a aprender a tocar com um professor particular.

Toshio Kinoshita. Foto de Cario Narezzi Toshio Kinoshita nasceu em Hokkaido, no norte do Japão em 1936 e emigrou para o Brasil em 1961. Teve uma barbearia, no bairro da Liberdade mas incentivado por amigos, abriu o restaurante com seu sobrenome, em 1978. Seu prato forte era o curry rice, que Kinoshita san preparava com condimentos importados, que ele transformava num caldo grosso e apimentado. Com a chegada do chef Murakami, o cardápio tradicional deu lugar a uma cozinha inovadora. O novo restaurante do chef Murakami foi batizado com o seu nome, em respeito e memória à sua trajetória de imigrante bem sucedido. 

 

 

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