A pressa é a inimiga do chá. Portanto, reserve umas boas horas para visitar o Teakettle. A fachada da casa já é um prenúncio do universo íntimo que aguarda o visitante. Tijolinho à vista e um imponente e florido pé de primavera dão o tom do que pode ser considerada uma viagem ao mundo complexo e delicado dos chás. O portão estará fechado, para garantir a intimidade. Para entrar, bata o sininho.
E se não há pressa, não há propriamente um horário pré-determinado para adentrar neste universo. Pode ser para um chá da manhã, pois a casa abre às 9h30. Mas pode ser depois, pois é servido um almoço leve, e segue para um afternoon tea, e por fim, um high tea, na melhor tradição inglesa, seguindo ininterrupto até as 20h30, de terça a sábado. No domingo, tem brunch, que se estende até as 17h30. O cardápio oferece diversos chás tradicionais (da China, Índia, França, Japão, por exemplo), mas também blends especialmente desenvolvidos pela fundadora da casa, que poderíamos chamar de sommelière de chá: Sylvia Rodrigues. Será ela a nossa navegadora a sugerir os chás para cada momento. E com muita propriedade. Sylvia fez cursos de aprofundamento no tema na França (no Palais des Thés) e na Argentina (no Clube de Chá da Argentina, com a mestre Jane Pettigrew). Sylvia tem também uma experiência acumulada de fitoterapia, quando trabalhou na Weleda receitando plantas medicinais. Ou seja, a proposta une a apreciação do chá como proposta gastronômica, como também para finalidades medicinais. Tudo de bom para a saúde e o bem estar.
E o bem estar é garantido pelos ambientes agradáveis e cheio de charme do Teakettle. Cada espaço tem sua identidade, e são todos surpreendentes. Há uma luz especial que tempera o ambiente. Os detalhes das xícaras, coleção de bules coloridos, livros sobre chá, louças coloridas, tudo conspira para criar a atmosfera propícia para a degustação das infusões. E na mais íntima das salas, num clima wabi-sabi, reina um conjunto para cerimônia do chá, em estilo japonês, doação de uma antiga admiradora do trabalho de Sylvia. A sequência de espaços nos leva ao salão dos fundos, o maior e naturalmente iluminado, voltado para um gracioso jardim, com árvores enormes, algumas frutíferas como a jaboticaba e um pequeno pé de kinkan. “Deu só quatro frutos”, explica o jovem chef Toshi Akuta, num misto de resignação e encantamento. “De vez em quando temos visitas de saguis”, conta exaltada Sylvia. “Já houve disputa de comida entre cliente e sagui”, brinca entusiasmada.
Para preparar o espírito fomos brindados com um chá de curry e pimenta-rosa, refrescante, adstringente e misterioso.
Inusitado foi iniciar a degustação com uma salada de frutas. Mirtilo, morango, melão, manga e vejam só, yuzu, o cítrico japonês do momento. E para ir beliscando, uma cesta de pães, onde se destacam os pãezinhos scone, acompanhado de manteiga e geleias feitas lá mesmo, como a de physalis.
Para a entrada, uma salada verde com rúcula, alface e mini-tomates, com um molho de chá preto, vinho encorpado da uva tannat, que tem um aroma saliente de frutas escuras e chocolate, tudo com um toque de mel.
Em seguida, uma sopa creme de abóbora kabotcha, com leve toque de gengibre e sanshô, uma pimenta aromática, mais conhecida para dar o toque final à enguia grelhada com o adocicado molho kabayaki. O sanshô contribui para uma dar uma acentuada no gosto cremoso do kabotchá, tornando-o mais leve, com uma sutil persistência do gengibre.
Uma fatia de quiche de alho poró, massa bem fina deu a consistência à sequência. Mas impressionou mesmo foi a massa do dia, um ravióli de muzzarela de búfala com manjericão, feito com uma farinha 00 importada, finíssima como talco. No molho de tomate, o chef infiltrou uma pequena dose de shoyu e saquê mirim, o que resultou num molho mais doce e potente, sem perder o frescor dos tomates. E para se alinhar ao conceito da casa, a massa ainda foi regada por um azeite de sencha.
E para finalizar, duas sobremesas. Um pudim e uma pera cozida ao licor de ameixa umeshu, com chá de romã conduzem esta experiência a um patamar de êxtase que perdura por vários dias. O chá, ao que nos parece, tem o poder de suspensão e persistência que abre a alma para o contemplativo. Sabemos que por trás deste serviço impecável está uma equipe muito sintonizada com os propósitos de oferecer uma degustação afetiva. Sylvia Rodrigues comanda com candura e maestria a equipe, o chef Toshi Akuta, com a liberdade outorgada prepara os quitutes e sobremesas introduzindo, quando a receita permite, o chá como ingrediente culinário. Escoltado por uma pequena equipe, entre eles o sous-chef Fernando Umekita, a casa procura manter uma atmosfera quase caseira. Dos vários chás à disposição no cardápio e também para levar, são mais de 150 variedades, e muitos deles, blends especialmente criados pela proprietária. Duas Anas são presenças essenciais nessa equipe: Ana Cláudia, a filha mais velha de Sylvia, é também sócia da casa e cuida do visual da casa. E Ana Cristina, a mais nova, cuida das reservas e dos eventos.
A escritora e pesquisadora Cristina Ruiz, que escreveu o belíssimo livro “O Chá” (editora Biluma), aproveita o bom encontro para presentear a proprietária do Teakettle. Momento chá elevado às alturas. E o livro encontrou uma excelente casinha para se alojar.
Rua Alexandre Dumas, 1049 Chácara Santo Antônio São Paulo SP
Telefones: 011-5523-9615 011 994.918.313 Mapinha aqui.
A trilha que combina aqui? Tea for Two, of course, aqui com arranjo de Shostakovitch.