Sakamoto x Bowie: um Merry Christmas exótico-erótico

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A ideia de juntar dois músicos que representam a polaridade Oriente-Ocidente num filme com esse mesmo tema pode parecer até uma jogada de marketing. Porém o desafio foi muito maior do que qualquer manobra publicitária, pois afinal, músicos não são atores e formatá-los dentro de um universo de gravação iria requerer um esforço redobrado do diretor. Nagisa Oshima topou a parada e convocou dois ícones com o mesmo perfil meio andrógeno, para interpretar dois soldados inimigos durante a Segunda Guerra: o inglês David Bowie e o japonês Ryuichi Sakamoto. Longe do padrão heroico e masculino dos soldados, Bowie e Sakamoto se chocam não só como adversários  em campo de guerra, mas também num conflito de cultura Ocidente-Oriente, onde o exotismo de ambas as partes parece desencadear o ódio mútuo,  confinados em um universo claustrofóbico de um campo de concentração na ilha de Java. Apesar desse confronto, os dois são unidos por uma misteriosa atração erótica. Uma sedução proibida, pela Guerra e pelos costumes da época.

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“Furyo – Em Nome da Honra” é o título banal e nada poético em português para “Merry Christmas, Mr. Lawrence” ( 戦場のメリークリスマス ), 1983. Furyo é uma designação antiga para prisioneiro de guerra. Baseado no livro de Sir Laurens Van der Post, “Merry Christmas, Mr. Lawrence”  relata este conflito psicológico no ano de  1942. O prisioneiro de guerra Jack Celliers (David Bowie) provoca uma turbulência quando resolve usar suas divisas de oficial, para não obedecer às imposições ditadas pelo capitão Yonoi (Ryuichi Sakamoto) no campo de concentração. A teimosia é repudiada com violência, mas Yonoi não consegue acabar com o orgulho e a honra do oficial inglês, o que provoca mais ódio, com castigos cruéis que culminam no enterramento do corpo vivo de Celliers, com apenas a cabeça para fora da terra. O coronel John Lawrence (Tom Conti) parece entender o que ocorre com ambos, e comenta o sentimento contido de ambos, numa visita que ele faz ao Sargento Hara, na véspera de sua condenação à pena de morte.

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Oshima repetiria o tema da homossexualidade em Taboo (Gohatto, 御法堂), 1999, seu último filme, finalizado com a ajuda de seu diretor assistente. Aqui, o drama se desenrola na sociedade feudal dos samurais. Tanto a guerra como o feudalismo acaba se tornando o universo opressor e castrante, onde a simples atração entre seres do mesmo sexo será considerada proibida.

Taboo (Gohatto, 1999): ode aos samurais gays
Taboo (Gohatto, 1999): ode aos samurais gays

A trilha sonora foi composta por Ryuichi Sakamoto e a música tema do filme ecoa nos momentos finais, quando o coronel John Lawrence visita o Sargento Hara na prisão.

Aqui o primeiro encontro de Lawrence com o Sargento Hara.

E aqui, no final, Sargento Hara na prisão, à espera da pena de morte que aconteceria no dia seguinte.

 

Aqui, Ryuichi Sakamoto ao piano, com orquestra, gravado no Tokyo Metropolitan Theatre, em 2013. Tokyo Philharmony Orchestra, regida pelo maestro Hirofumi Kurita.

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Sakamoto não se apresentava há 16 anos. Foi um concerto memorável.

 

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Ryuichi Sakamoto discursou no funeral do diretor Nagisa Oshima, que faleceu em 2013. No discurso, ele lembra do convite para atuar em “Merry Christmas”. “E eu, sem a menor cerimônia, pedi a oportunidade para compor a trilha, logo eu que não tinha a menor experiência em música para filmes, e o senhor prontamente aceitou”, narra Sakamoto. “Hoje, não há uma pessoa que critique o Japão de maneira tão rigorosa como senhor. Nosso dia a dia ficará mais monótono com a sua partida”.

O diretor Nagisa Oshima, em set de filmagem de Merry Christmas, Mr. Lawrence.
O diretor Nagisa Oshima, em set de filmagem de Merry Christmas, Mr. Lawrence.

 

 

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