Já faz dez anos desde o falecimento de dona Shizuko Yasumoto. Japonesa, emigrou para o Brasil no final da década de 1960. Na época tinha 30 anos e trazia seus dois filhos pequenos. O Japão de 1967, três anos após a realização da primeira Olimpíada de Tokyo, ainda era tradicional demais para aquela jovem mãe que buscava novos horizontes. O seu marido já havia fincado pé em São Paulo e trabalhava como serralheiro. Assim reconstituíram a família numa época em que já era rara a entrada de novos imigrantes por aqui.
Mas a vida era dura e dona Shizuko foi obrigada a contribuir para a manutenção da família. Resolveu colocar em prática o que sabia fazer com criatividade desde os 15 anos de idade: cozinhar. Seu pai era um gourmet e adorava receber os amigos em casa e promover jantares. A jovem Shizuko entrava no time de produção na cozinha e quando se saía bem via a recompensa na mesada mais polpuda.
Colocar a culinária em prática significou para dona Shizuko abrir uma escola. Mas antes, frequentou os cursos oferecidos pelo Senac, incentivada pelos próprios filhos, que já não aguentavam mais o cardápio japonês do dia-a-dia. Foi a primeira vez que dona Shizuko teve contato com a culinária brasileira. O curso consolidou ainda mais a sua formação. Curiosa e inquieta, futuramente ela criaria o prato que simboliza a sua integração ao país que a acolheu: uma moqueca feita de tofu grelhado.
Sua primeira escola nasceu em 1970, apenas três anos após sua chegada ao Brasil. Primeiro, era frequentada apenas por senhoras japonesas residentes em São Paulo. Para elas, dona Shizuko apresentava pratos com toques mais modernos que iriam enriquecer a mesa das famílias nipo-brasileiras. Mas logo vieram as brasileiras, já na esteira do boom da culinária japonesa dos anos 80. Não conseguindo atender a demanda, dona Shizuko publicou três livros, sendo o primeiro inteiramente patrocinado por ela mesma. “A Vida está no Alimento” (Fonomag), “Peixes e Frutos do Mar: Saboreando e Conhecendo a Culinária Internacional” (Acapesp) e “Cozinha Regional Japonesa” (Kojiro).
Fundou o Centro Culinário Master Cooking, que foi uma referência na difusão da culinária japonesa, especialmente a doméstica, para o dia-a-dia. Foi lá que o chef Carlos Ribeiro, “nordestino de alma japonesa” como ele mesmo se define, aprendeu os princípios e preceitos da cozinha japonesa. Esses ensinamentos de dona Shizuko levaram o chef Carlos Ribeiro a escrever e publicar o livro “Culinária Japonesa para Brasileiros” (Publifolha), onde faz um panorama da cozinha regional do Japão.
Já quando estava com 74 anos, dona Shizuko levantou uma nova bandeira: difundir no Brasil o Hiyashi Chuka, o ramen gelado. “É ideal para o verão e combina bem com as praias brasileiras”, argumentava com entusiasmo. Nessa mesma época, revelou mais um sonho: “quero conhecer a África, porque lá estão as raízes do gosto brasileiro”, explicava essa incansável investigadora de sabores. “Os pratos nobres da cozinha brasileira tiveram inspiração francesa, mas acho que a mesa do povo brasileiro é uma extensão dos sabores africanos”, arriscava, com brilho nos olhos.
Em 2007 produzimos uma série de televisão chamada “Saberes dos Sabores”, para a JBNTV, que era distribuído em canal fechado por assinatura. Foram 10 programas onde mostrávamos vários aspectos da culinária japonesa, desde a tradição do Washoku (cozinha tradicional japonesa, que foi indicada como Patrimônio Imaterial da Humanidade, pela UNESCO) até as comidinhas e petiscos de botecos japoneses, como foco na história e nos costumes. Em um dos programas convidamos dona Shizuko para participar. O nosso apresentador era o chef Carlos Ribeiro, que reencontrou dona Shizuko no programa e muitas conversas rolaram também nos bastidores.
Dona Shizuko bem que merecia uma homenagem póstuma, pelo importante legado que ela deixou para os apaixonados em cozinha japonesa no Brasil.