Orie: sobre memórias afetivas

A escritora e ilustradora Lúcia Hiratsuka lança Orie (editora Zahar), uma poética narrativa baseada nas memórias de sua infância, quando ouvia de sua avó, Orie, as histórias que ela viveu no Japão.  Orie é sua vigésima publicação, sempre na área de literatura infanto-juvenil, mas esta obra tem uma configuração autoral exuberante, e difere de sua tradicional linha de livros em forma de contos.

A autora Lúcia Hiratsuka autografa seu vigésimo livro, no dia 24 de Maio, na Livraria Nove Sete, em São Paulo. Foto: divulgação
A autora concedeu uma entrevista exclusiva para Jojoscope.

JJ: Orie tem uma narrativa cinematográfica. As ilustrações em formato panorâmico também contribuem para este resultado. Orie é um filme imaginário?

LH:  Sim, antes de desenhar ou escrever, eu imagino as cenas,  as personagem em movimento. Visualizo o momento em que a Orie espera os pais, o momento em que ela olha os peixinhos, com carinha de espanto… Deve ser porque eu adoro cinema. E o livro ilustrado incorpora várias linguagens: cinema, teatro, quadrinhos… Porém, entra também o tempo do leitor que vai manusear o papel, ir e vir pelas páginas,  a pausa, ou seja, o ritmo da leitura é de quem entrar nessa viagem do objeto que é o livro.

O gostoso de construir o boneco (protótipo do livro) é brincar com os movimentos. Tanto do folhear do papel, como o movimento das personagens e o movimento que se dá pela composição.

JJ: Como foi o processo de criação deste livro?

LH: A minha avó Orie, quem inspirou o livro, gostava de contar histórias. Contava as lendas japonesas, mas também suas memórias de infância. E uma das lembranças mais marcantes deve ter sido a viagem com os pais barqueiros. Ela contava a alegria que era ir para a cidade.  E repetiu várias vezes a cena em que, numa das viagens, ela estava cansada, com vontade de chorar, e de repente caiu algo no colo. Olhou para o alto, percebeu que o barco passava por uma ponte, onde estava uma moça.  E as duas ficaram olhando uma para a outra.

Guardei essa imagem na minha memória, do meu jeito. Só depois, trabalhando muito tempo com literatura Infanto-juvenil, me ocorreu que eu poderia contar essa história, tendo como ponto alto, a cena da moça na ponte, antes de uma virada na narrativa.

Quando a minha avó estava perto dos 100 anos (ela faleceu com 104, em 2007), eu perguntei se ela também guardava alguma lembrança triste da viagem. E ela contou a cena do dia em que soube que não poderia mais estar no barco. Era o final que eu precisava para fechar o enredo.

Quando contei para a Dolores Prades (consultora editorial da Pequena Zahar) sobre a história, ela deu o título para o livro ao saber que o nome da minha avó era Orie. Foi a partir daí que passei a colocar tudo no papel, a testar o material, riscar, rabiscar e encontrar as palavras, construir as frases.
JJ: Conte-nos sobre a técnica empregada nas ilustrações. O fundo parece papel craft…

LH: Quando pensava na história, vinha uma ideia de um lugar aconchegante, algo que lembrava a terra. Por eu ter crescido no sítio, a terra é sempre algo que me lembra um calor gostoso, como o colo da mãe. E o papel craft tem a textura e o tom que remete à terra. Experimentei o giz pastel oleoso e o seco; optei pelo seco, junto com grafite carvão.

Não queria colocar muitos elementos, somente o necessário, o foco nas emoções da personagem Orie.

Nessa época, eu lembrei também de ver um curta de animação Father and Dauther, de Michael Dudok de Wit, me inspirou bastante.

Utilizei alguns elementos da minha infância, os eucaliptos, os balaios, os objetos embrulhados em lenços. E construí um protótipo do livro, mostrava para as pessoas e via a reação. Percebi que  deveria manter traços mais soltos na hora de finalizar.

E pensava a todo momento, “quero que as pessoas se emocionem, que o livro pegue o leitor de imediato, pelo coração, ou pelo sensorial.”
JJ: Consideramos um de seus trabalhos mais densos e autorais. Esta obra dá um novo direcionamento em seus trabalhos futuros? 

LH: Já venho sentindo uma mudança há um tempo. Estou com um outro projeto muito importante, acredito será lançado no início do ano que vem, são poemas com imagens em sumiê. E  também tenho outros textos e roteiros bem encaminhados e ideias que ficam me rondando.

Mas, atualmente, tenho a intenção de me dedicar um tempo às oficinas, encontros, compartilhar algumas experiências com quem está iniciando na área e mediadores de leitura, acredito ser uma troca que enriquecerá a criação.

Orie será lançado no dia 24 de Maio, sábado, na Livraria Nove Sete (Rua França Pinto, 97), Vila Mariana, em São Paulo, com a presença da autora.

Você pode saber mais sobre Lúcia Hiratsuka, acessando o site dela. 

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